Scott Pilgrim: A Série – Quanto mais Ramona, melhor

É estranho pensar que filmes tão marcantes no imaginário popular não tenham sido um sucesso de bilheteria na época de seus lançamentos. A Fantástica Fábrica de Chocolate, de 1971, ou o excelente Filhos da Esperança, de 2006, são ótimos exemplos de longas que encontraram o amor do público anos depois. Scott Pilgrim: O Filme também faz parte dessa lista. Lançado numa época em que ser nerd já era algo legalizado, o icônico longa de Edgar Wright ganhou sobrevida com o boca a boca. O poder foi tanto que, 13 anos depois, Scott Pilgrim: A Série chega ao catálogo da Netflix com status de grande lançamento. Mas será que o título correto não deveria ser “Ramona Flowers: A Série”?

É preciso destacar a genialidade por trás de Scott Pilgrim: A Série. Primero ao aproximar a animação do estilo dos traços da HQ criada por Bryan Lee O’Malley, o que curiosamente combina bastante com a pegada de anime que a série emula. E depois trazendo o elenco de vozes do longa original, com nomes como Michael Cera, Mary Elizabeth Winstead, Chris Evans e Kieran Culkin. A armadilha perfeita para os fãs estava montada, e assim a surpresa teria o efeito esperado. Quando Scott perde a primeira luta contra Matthew Patel (Satya Bhabha), percebemos que estamos diante de algo completamente novo. Sem medo de mexer nas estruturas do material base, a série abraça as infinitas possibilidades para brincar com as expectativas do espectador.

Claro que existe um fio condutor com o romance entre Scott e Ramona, os Sete Ex-Namorados do mal e tudo mais. No entanto, ao transferir o protagonismo para Ramona a série adquire um frescor narrativo e também uma certa maturidade, necessária para o tempo em que vivemos. Não que os quadrinhos e o filme sejam infantis demais, porém, o público cresceu e não faz muito sentido apenas replicar os mesmos debates e elementos anteriores. Isso também abre espaço para o crescimento dos personagens coadjuvantes, em especial Wallace Wells (Kieran Culkin) e Knives Chau (Ellen Wong). Com isso, atitudes problemáticas são questionadas e os personagens saem da própria zona de conforto.

Mas além da maturidade narrativa, Scott Pilgrim: A Série não perde de vista o poder da diversão. Com apenas oito episódios curtos, os roteiros escritos por Lee O’Malley e BenDavid Grabinski brincam com todas as referências da cultura pop possíveis. Nem mesmo a presença do multiverso soa tão cansativa como em outras produções. A metalinguagem é utilizada de maneira natural, visando apenas o entretenimento do espectador. A direção de Abel Gongora se aproveita da liberdade oferecida pela animação para criar cenas de luta criativas e fluídas, bebendo diretamente das referências dos videogames do material base. É realmente um espetáculo visual que complementa de maneira perfeita a proposta do show.

Claro que toda essa empolgação funciona apenas com quem já conhecia o universo de Scott Pilgrim, seja pelos quadrinhos ou pelo filme. Não que o espectador de primeira viagem seja proibido de começar por aqui, mas certamente algumas situações e referências podem soar extremamente deslocadas. Incomoda também uma certa pressa para resolver a trama nos últimos episódios, abusando do texto expositivo para dar conta de todos os núcleos. Ainda que não estrague a experiência de uma maneira significativa.

Scott Pilgrim: A Série mostra que é possível amadurecer sem abrir mão do entretenimento puro e simples. E mais do que isso, melhora muitos aspectos tanto dos quadrinhos quanto da adaptação para os cinemas. Pena que, ao que tudo indica, não teremos uma segunda temporada no futuro. Eu assistiria com prazer um pouco mais de Scott Pil… Ramona Flowers: A Série.