Existe uma máxima de que, ao consumirmos uma obra, não importa quantas vezes, sempre teremos uma experiência diferente. Um livro, uma canção, uma pintura, tudo irá despertar algo novo em nós. Obviamente, filmes não são diferentes. Você pode admirar um longa-metragem na primeira vez que o assiste e mudar completamente de ideia posteriormente. E tudo bem, faz parte do processo de consumir arte. Isso se aplica também aos diretores conhecidos por uma assinatura própria. “Rebel Moon – Parte 2: A Marcadora de Cicatrizes” teve esse efeito sobre mim. O novo filme da parceria entre Netflix e Zack Snyder me fez perceber que algo extremamente ruim pode ficar ainda pior. E que não é liberdade criativa que o diretor precisa, mas sim alguém para frear sua suposta mente visionária.
Talvez a própria Netflix tenha repensado sobre as promessas feitas a Snyder. Basta comparar o marketing envolvendo a primeira e essa segunda parte de Rebel Moon. E se levarmos em conta que em breve o serviço de streaming irá disponibilizar a “versão do diretor” de ambos os filmes, essa situação fica ainda mais sem sentido. Em linhas gerais, “A Marcadora de Cicatrizes” consegue apagar até mesmo os raros pontos positivos do longa anterior. Entregando um desfecho inflado pelos maneirismos de seu criador, diretor, roteirista e tudo mais que Zack Snyder acredita que pode fazer sozinho. Chega a ser cruel com o espectador em diversos momentos.
Após os eventos do último filme, Kora (Sofia Boutella) retorna ao vilarejo acreditando que derrotou seu maior inimigo. Porém, o Almirante Noble (Ed Skrein) ainda está vivo e parte em busca de vingança contra sua ex-aluna. Snyder presta sua homenagem ao clássico “Os Sete Samurais” de Kurosawa para ilustrar o confronto entre um exército acostumado a conquistar planetas contra um grupo de mercenários e fazendeiros. Por sorte, a referência não passa disso e “Rebel Moon – Parte 2” gasta o restante de suas mais de duas horas de duração preparando o terreno para uma suposta batalha grandiosa. “A Menina do Fogo” ao menos oferecia uma viagem por esse novo mundo (ainda que tomado por cenários genéricos). Já aqui toda a trama se passa dentro de uma nave e dos muros do vilarejo.
A questão é ainda mais embaraçosa se levarmos em conta que a Parte 1 apresentou os personagens, suas aparentes motivações e os colocou em rota de colisão com os vilões. Faz sentido imaginar então que teríamos agora sequências de batalhas em câmera lenta para encerrar o conflito. Porém, dando razão a todos que duvidaram de seu talento, Zack Snyder entrega intermináveis cenas de diálogos expositivos e personagens colhendo trigo do nascer ao pôr do sol. A cena em que a equipe principal se reúne para falar de seus passados traumáticos é embaraçosa. No mesmo nível de Noble repetindo várias vezes o apelido de Kora para justificar o título do filme.
Quando a última batalha finalmente ocorre, ela não poderia ser menos chata. Sem nenhuma ligação emotiva entre o público e os personagens em tela, todas as mortes e momentos de tensão são estéreis. Até mesmo os combates, algo que o diretor costuma acertar para ser justo, não transmitem nenhuma empolgação. Os efeitos visuais oscilam a todo momento e não existe nenhuma passagem minimamente marcante. “Rebel Moon – Parte 2” apenas levanta a dúvida por trás da ideia de dividir essa pataquada ao meio. Ou melhor, qual o verdadeiro motivo desses filmes existirem.
E como se não bastasse toda dor e sofrimento impostas ao público, “Rebel Moon – Parte 2” termina com a promessa de que veremos mais desses personagens no futuro. O próprio acordo entre Netflix e Snyder prevê mais filmes, jogos, séries e quadrinhos ambientados nesse universo. É por sandices como essa que o preço da assinatura aumenta todos os anos. Você está feliz com isso, Zack Snyder?