Iniciado em 2016 como webcomic, Cara-Unicórnio é um excelente exemplo de obra com boas referências que conquista carisma próprio
Tive contato com Cara-Unicórnio pela primeira vez na edição de 2019 da Poc Con, evento de São Paulo que buscava dar visibilidade para artistas da comunidade LGBTQIA+ dentro do meio nerd. O resultado foi um sucesso tremendo, onde a demanda superou as expectativas com uma fila para entrar que dava voltas no quarteirão. Ao final, ficou a clara impressão de que esse público tem um potencial de mercado gigantesco dentro da cultura pop.
Claro que esse consumismo não traz apenas coisas boas, e é justamente esse um dos motivos do meu vacilo em não ter lido a HQ de Adri A. desde que a comprei, nas mãos do próprio autor: minha estante de livros e quadrinhos cresce a cada dia, enquanto minha capacidade de leitura não acompanha esse impulso capitalista. Foi assim nas últimas edições da CCXP e não seria diferente na Poc Con, que também contou com um maravilhoso Artists’ Alley nos moldes do evento da turma do Omelete.
Posso ser julgado de oportunista e hipócrita por estar conferindo a HQ só agora, enquanto encerramos mais um Mês do Orgulho LGBTQIA+ onde a Becky (redatora do Cosmo) fez uma lista incrível de artistas dentro da sigla para você acompanhar.
Acho que não terei argumentos para desqualificar essas potenciais acusações, mas preciso me arriscar, uma vez que Cara-Unicórnio é uma das coisas mais divertidas que você pode ler nesses tempos sombrios de isolamento, com exército de gafanhotos invadindo o país para nos devorar.
A história contempla David, um jovem de vinte e poucos anos que, após um acidente envolvendo animais expostos a raios radioativos, acaba se tornando um mix de homem e unicórnio. Talvez isso explique o título da obra? Talvez.
Dotado de um porte físico incomum, David chega à conclusão óbvia de que tudo isso é uma mensagem do destino para que ele atue como um super-herói salvando o mundo. O que acompanhamos então é a saga do protagonista em busca de experiência em sua nova área.
Adri A. faz uma reunião interessante de referências que consegue, no final das contas, dar uma personalidade bacana para sua história. O que podemos interpretar como a tia May do Homem-Aranha (que aqui é a tia Elle) também remete, tanto no visual quanto no discurso, a uma das maiores figuras do meio LGBTQIA+ (ou seria a maior?) na arte nacional que é Laerte Coutinho.
Humor, carisma e diversidade
Desse modo, o autor promove sua sátira sobre o mundo dos super-heróis, que muitas vezes é um reprodutor da heteronormatividade, mas ao mesmo tempo dá uma roupagem que extrapola esse viés cômico, nos fazendo ficar realmente interessados pelo destino dos personagens que a história contempla. Então espere por encontrar aqui questões valorosas como diversidade, pertencimento e heroísmo.
O os traços são muito convidativos, onde temos cores intensas e diversas, fazendo bom uso da bandeira LGBTQIA+ na parte visual. A narrativa está numa boa sintonia com a parte estética, facilitando ainda mais a leitura e o divertimento do leitor no processo.
Lançado em 2018 (sendo publicado no formato webcomic antes, em 2016), o Vol. 1 possui quatro histórias que são: Como virar um cara-unicórnio, O caso da bolsinha, Coisas certas a dizer e Jantar romântico. Cada uma delas vai pontuando diferentes traços do personagem e do mundo que o cerca. Dentre elas, minha favorita foi a penúltima, onde o autor lança mão de uma estrutura que lembra muito grandes obras como The Boys e Watchmen, ao passo que insere uma misteriosa vilã: Mira.
Ao final da edição encontramos a lista de agradecimentos às pessoas que apoiaram o projeto, curiosidades do processo criativo de Adri A. e também uma pequena história feita para promover a campanha no Catarse. Aliás, o financiamento para o Vol. 2 já está acontecendo, e você pode apoiar através deste link.