A editora Pipoca & Nanquim segue fazendo um trabalho primoroso de curadoria para o público brasileiro. Ao mesmo tempo que traz para o seu catálogo artistas consagrados como Robert E. Howard, Alejandro Jodorowski e Philippe Druillet, a empresa do trio Daniel Lopes, Bruno Zago e Alexandre Callari nos oferece grandes obras, seja em merecidos relançamentos (como Recado a Adolf, de Osamu Tesuka, anteriormente publicado pela Conrad) ou então histórias totalmente inéditas (mas prestigiadas) de autores desconhecidos pela grande maioria. Nessa última possibilidade, Traço de Giz, de Miguelanxo Prado, é o exemplo perfeito de reafirmação dessa virtude.
A história segue um navegador que, após enfrentar uma tempestade na noite anterior, chega a uma pequena e desconhecida ilha em busca repouso e outros cuidados. Logo de cara, ele percebe que não está num lugar muito comum: o local parece deserto demais para ter uma hospedagem, que por sua vez não possui clientes, com exceção de uma mulher que está aguardando por uma pessoa há muito tempo. A dona da hospedagem não parece se importar muito com a falta de clientes, e seu filho possui um comportamento pra lá de misterioso – causando certo medo no protagonista pela sua postura bruta e rudimentar.
A importância de Traço de Giz
Trata-se da novela gráfica mais premiada da história da Espanha ganhando, dentre outras coisas, o prêmio de melhor álbum estrangeiro em Angoulême, em 1994. A arte é sensacional, onde o artista utiliza a técnica acrílico para dar vida à sua obra, o que possibilita uma imensa variedade de cores. Sabe aquelas pinturas de paisagens que encontramos em maravilhosos quadros dos artistas de rua quando vamos para a praia? É tipo isso, mas ainda melhor e de forma sequencial, proporcionando uma história pra lá de bem contada. É uma pintura de luxo.
Para isso, Prado teve uma instrução formal de arquiteto e se inspirou inicialmente em grandes artistas que ele via no museu como Johannes Vermeer e Gustav Klimt. No entanto, inspirado por nomes como Moebius e Hugo Pratt (para o qual há uma singela homenagem nesta edição), ele abandona o curso para se dedicar aos quadrinhos, figurando em clássicas revistas como Métal Hurlant e Heavy Metal.
Assim como aconteceu com o francês Christophe Chabouté (Um Pedaço de Madeira e Aço, Solitário, Moby Dick), o espanhol Miguelanxo Prado chegou na editora Pipoca & Nanquim apadrinhado por ninguém menos que Sidney Gusman, editor das Graphic MSP da Mauricio de Sousa Produções e integrante do Universo HQ. Desse modo, é dele o prefácio dessa bela edição que conta também com capa dura e verniz localizado. No final, uma pequena galeria de artes da produção é apresentada juntamente com uma biografia do autor.
A partir daqui, spoilers
É complicado tratar dessa HQ sem dar muitos spoilers da trama, então recomento que você tenha lido Traço de Giz para prosseguir a partir daqui. Digo isso pois será muito comum ter terminado esse livro sem entender o final. O que ocorre é que, Miguelanxo Prado utiliza aqui o recurso da viagem no tempo, algo que dificilmente estaria em nosso radar devido ao teor da obra, que mescla drama, suspense (e porque não, terror) de um modo profundo. Caso você não tenha reparado no detalhe que indica tal recurso, fique atento ao mural no qual os viajantes escrevem os nomes logo no começo da história.
Levando o sentimento que esta obra me passou para plataformas como o cinema e a TV, posso afirmar uma certa semelhança com atrações como o filme Ilha do Medo e a série Lost, mas ainda assim mantendo as devidas proporções.
Esta é uma obra que você não irá absorver tudo na primeira leitura. Seja por conta de detalhes da narrativa, dúvidas pontuais ou mesmo para rever as maravilhosas ilustrações de Miguelanxo Prado, há uma grande chance de que Traço de Giz impacte a sua vida.