Os primeiros casos clínicos de Aids foram detectados em maio de 1981, em Los Angeles e São Francisco, EUA, em doentes do sexo masculino e homossexuais. Inicialmente, a aids foi considerada uma doença que atingia, principalmente, a população de homossexuais, o que hoje sabemos que é a maior mentira, mas ainda é atribuída à comunidade.
A fundação do ACT UP/NY, em 1987, esteve diretamente ligada à nova onda de ativismo anti-Aids surgida no final da década de 1980 nos Estados Unidos. Havia uma ideia de que a falta de esforço governamental relacionado à necessidade de atuar ativamente para acabar com a doença, ou buscar soluções para que as pessoas parassem de morrer com ela, tratava-se de um descaso proposital com a ideia de erradicar a população não-hétero do solo estadunidense. Falava-se então da necessidade de combinar táticas disruptivas — invasões de prédios, por exemplo — com um tipo de arte engajada capaz de produzir imagens e símbolos que batessem de frente com a falta de ação dos responsáveis pela saúde da população. Este esforço artístico foi, com frequência, desdobrado em material propagandístico marcado por uma sinceridade chocante. Eles também tinham, como mote central, a equação ‘silêncio = morte’, posto que fazer-se ouvir de qualquer maneira era essencial ao ideário do grupo.
E por que estou citando todas essas informações? Para contextualizar o livro. Tudo o que se fala nele, em relação à luta contra a doença, de fato, aconteceu.
Sinopse: Em 1989, o jovem iraniano Reza se muda para Nova York com a mãe para morar com seu padrasto e o filho dele. Apesar de nunca ter contado para ninguém, Reza sabe há muito tempo que é gay. Porém, tudo que ele vê na televisão sobre a pandemia da aids e a comunidade LGBT reforça seu medo de que sua sexualidade está ligada a algo terrível.
Na escola nova, Reza conhece Judy, uma aspirante a estilista que adora criar e usar roupas coloridas. O maior ídolo dela é seu tio Stephen, um homem gay e soropositivo, que perdeu o parceiro para a Aids e que usa seu ativismo para trazer atenção à doença. Ela tem certeza de que nunca vai se apaixonar — até conhecer Reza. Os dois iniciam um relacionamento, mas ele não consegue evitar os sentimentos que começa a ter por Art, melhor amigo de Judy. Art é o único garoto assumidamente gay da escola. Ele adora a Madonna, fotografa os protestos da comunidade e participa com orgulho do movimento gay — apesar da desaprovação de seus pais conservadores.
À medida que os sentimentos de Reza por Art tomam forma, Reza luta para entender os desafios de assumir quem é sem machucar aqueles à sua volta. Numa jornada emocionante de autodescobrimento e amizade, Tipo uma história de amor é também um fantástico relato sobre a luta da comunidade LGBT e sobre o ato revolucionário de existir em meio ao medo e ao preconceito sem perder a alegria.
A história
O livro traz três pontos de vista: Reza, Art e Judy, três adolescentes que ainda estão se achando no mundo, no ano de 1989. Nessa época, a epidemia de Aids estava em seu ápice, matando milhões de pessoas. Não havia medicamentos com preço acessível, ou um tratamento eficiente que os fizessem viver por mais tempo, ou, como atualmente, viver normalmente (até porque sabemos que até hoje os EUA tem um dos sistemas de saúde mais caros).
Com isso, o jovem Reza vive em um pavor constante, sem querer pesquisar mais sobre essa doença, com medo de, só por ser gay, já ter contraído Aids de alguma maneira. Ele procura negar a sua sexualidade ao máximo, vivendo em completa negação e em eterno sofrimento por não conseguir ser ele mesmo. Enquanto isso, Art vive assumidamente como gay, enfrentando os homofóbicos de seu colégio de peito aberto, batendo de frente com as convenções e, principalmente, com seus pais, que odeiam o fato de ele não somente não ser hétero, mas ser “extravagante” e “dramático” – algo que pejorativamente era e é chamado de “bichinha”. Judy é hétero, mas vive sob a constante pressão da gordofobia, sentindo-se culpada por não ser a mulher magra que sua mãe esperava dela, mas, ao mesmo tempo, tendo o apoio de Art e seu tio maravilhoso Stephen, ela consegue ser sincera consigo e admitir que é incrível e linda e, sim, gorda.
Com cada um vivendo sua problemática, somos jogados na narrativa entrando no mundo dos três sem pedir licença, nos envolvendo com os protestos do ACT UP, sentindo as dores do medo da comunidade ao ter que observar ninguém se importando com as suas mortes, convivendo com a constante dor do luto de perder pessoas amadas de forma tão brutal e cheia de descaso.
Tipo uma história de amor e seus personagens
Eu sinto que muita gente talvez vá se incomodar com Reza, por ele viver com medo da Aids a ponto de se privar de ser quem é, de amar, de aceitar a si. Seu crescimento dentro da narrativa vem de forma gradual, com muito esforço do personagem, muitos conflitos e erros que poderiam ter sido evitados, sendo cometidos por conta de toda a confusão que passa dentro dele. Ele é o garoto tímido, que não gosta de levantar a voz, e nem estar na linha de frente das batalhas. Todo mundo conhece alguém assim.
Ao contrário de Art, que é pura força, voz, determinação, tão cheio de raiva que, se ele não estiver batalhando, ele enlouquece. Art precisa que as pessoas o vejam e escutem a ele e os dele, que percebam que a sua comunidade, seu lar, está morrendo e façam algo, que se importem. Dos três, ele é o único que não tem exatamente um crescimento dentro da trama. Art não evolui muito, no quesito pessoal, mas seu aprendizado vem de outras formas, como parar de achar que é tudo sobre ele e o que ele quer e se desvincular dos pais, que… como eu explico? Bem, você vai ter que ler para entender esse relacionamento.
E Judy está num meio termo. Ela luta batalhas que não são suas, porque é o certo a se fazer, mas, em alguns casos, ela só queria um pouco de tranquilidade. Ela é inteligente, ácida, divertida, e com uma visão de mundo totalmente dela, sendo sempre apoiada pela família. Seu crescimento dentro da narrativa vem mais da quebra de preconceitos, de ganhar mais confiança em si e no que pensa, deixando de viver à sombra de Art.
E meu personagem preferido, tio Stephen, que serve de mentor para os três, ensinando sobre como a vida é efêmera e tá tudo bem você ser quem você e amar quem você ama (desde que não seja crime, como pedofilia, óbvio). Impossível não amá-lo.
A importância dessa história
Como eu iniciei o texto, o livro relata com bastante fidelidade a luta contra a Aids, o medo, a união da comunidade em prol dos seus. Como é um livro YA (jovem adulto), ele deverá atingir um bom público com a sua narrativa bem amarrada, escrita de forma gostosinha, e com a tradução impecável de Vitor Martins (autor de Um Milhão de Finais Felizes e 15 dias).
Até hoje há muito preconceito quando se fala em Aids ou HIV, sem entender que a ciência está avançada e as pessoas vivem de tal forma que nem mesmo podem transmitir, algo que, no fim da década de 1980 ainda era apenas um sonho. Além do estigma que, como é explorado no livro, é uma doença tratada como se fosse exclusiva da comunidade LGBTQ+, sendo que, desde o início da década de 1990 (falando em casos registrados), os índices de contaminação na população hétero vem aumentando cada vez mais (quem não conhece o amigo que fala com orgulho de não usar camisinha?).
Tipo uma história de amor é um livro que traz uma história muito bem contada, que consegue se equilibrar nas questões sociais e nas pessoais dos personagens, sem nunca perder a mão.