E lá se vão quatro anos desde que o mundo do entretenimento foi premiado com o excelente Pantera Negra, filme do Marvel Studios que conseguiu unir o que há de melhor dentro da já banalizada fórmula Marvel de fazer cinema: representatividade, diverção e um discurso que leva em conta o contexto político atual no mundo. Isso deu tão certo, que o protagonista, o rei T’Challa na pele do saudoso Chadwick Boseman, teve seu estrelato “roubado” do filme de Ryan Coogler em alguns momentos. Ora o destaque ficava com o vilão Killmonger (Michael B. Jordan), ora com Shuri (Letitia Wright), mas o principal elemento do filme, sem a menor sombra de dúvidas, estava repousado na admirável nação de Wakanda. Assim, é natural que seja através do país fictício os caminhos para Kevin Feige e sua turma superar o luto (ou algumas etapas dele) e os intermináveis problemas enfrentados pela produção devido à pandemia da COVID-19 e a consequente rebeldia de Wright a respeito da vacina. Ainda assim, a missão de Pantera Negra: Wakanda Para Sempre não era das mais fáceis.
A trama começa a partir da morte do rei T’Challa, mostrando que a Marvel cumpriu a promessa de respeitar a triste partida de Boseman. Ao mesmo tempo, a diplomacia mundial tenta convencer Wakanda a compartilhar seus recursos, mais especificamente, o precioso vibranium. Mesmo lidando de modo extremamente eficaz com a questão, a chegada de um inesperado adversário, Namor, líder de uma civilização submersa, colocará em risco a segurança da nação africana. A dura verdade é que Wakanda segue firme e forte, mas carregada por pessoas quebradas emocionalmente.
Luto e legado
Ao forçar a mão no luto, o roteiro do diretor Ryan Coogler com Joe Robert Cole acaba acertando o espectador em cheio em pelo menos três vezes no filme, então prepare seu lenço. Porém, o texto acaba armando uma armadilha para si, pois fica bastante nítida a falta que T’Challa (na figura do seu intérprete) faz. Centrar uma jornada especial para Shuri (Wright) e Ramonda (Angela Bassett) foi algo certo a se fazer, mas fica claro que, ao ganhar mais destaque, Shuri deixa a desejar na entrega. E pode ser que essa impressão se agrave caso o espectador tenha ciência das posições equivocadas da atriz. Digo isso pois um dos pilares de Pantera Negra: Wakanda Para Sempre está em sua representatividade: se o próprio projeto se vende ao público através desse mecanismo, é natural que ele sofra com as consequências quando um ator ou uma atriz pisa na bola.
Mesmo deixando essa questão de lado, é difícil de defender o modo largado como é tratado algumas questões-chave para a trama, principalmente no que diz respeito à sucessão do manto de Pantera Negra. O problema não reside na obviedade de quem se torna, mas sim na falta de impacto que isso nos causa quando ocorre. Outro ponto a se questionar é o jogo político adotado para que o embate entre o reino submerso de Talokan e Wakanda ganhe vida. Você consegue entender o lado de cada um, mas algumas cenas são de torcer o nariz.
A inclusão de Riri Williams (Dominique Thorne) na trama soa muito mais como uma propaganda da vindoura série Coração de Ferro dentro desse balaio todo, e acaba sendo o único dentre os defeitos apontados a prejudicar de fato a experiência. Fica parecendo que a Marvel teimou na inclusão para termos uma cota “personagem tipo Homem de Ferro” no filme. E mesmo possuindo sua importância dentro da história, confesso que Thorne não passou muito carisma no papel – talvez isso possa ser corrigido quando sua própria produção chegar na Disney+.
Imperius Rex!
Namor está incrível e consegue se destacar positivamente. Tenoch Huerta entrega, desde sua primeira aparição, o que se espera do personagem, cheio de uma charmosa rebeldia e a consequente ira quando pisam em seu calo podendo atingir o nível de ardiloso em muitos momentos. Aliás, a produção se mostra bastante ousada ao adaptar inclusive as breguíssimas (e muito legais) asas que o personagem possui nos pés. Dentro da galeria de antagonistas do MCU, este Namor está muito mais para Thanos e Killmonger (exemplos de vilões de qualidade) do que para Gorr e Caveira Vermelha (da turma dos esquecíveis).
Por já encontrarmos diversas Atlantis na cultura pop, a civilização do personagem foi adaptada aqui para Talokan, se inspirando fortemente na cultura dos povos originários povos mesoamericanos. O resultado é uma nação que espelha Wakanda em diversos aspectos, liderada por uma figura poderosíssima que foge do óbvio quando tem suas motivações e origem expostas. Uma baita adição ao MCU.
Levando em conta os diversos problemas que Ryan Coogler e a Marvel Studios precisaram resolver nos últimos anos para dar luz a Pantera Negra: Wakanda Para Sempre, podemos dizer que o saldo é positivo, apesar de não ser possível observarmos uma melhora nesta sequência quando comparamos o resultado final. De quebra, temos a certeira inclusão de um personagem que tem a capacidade de abalar as estruturas não só de Wakanda, mas do Universo Cinematográfico da Marvel como um todo. Namor é a rebeldia que faltava ao MCU.