Os ruídos da greve na nova Hollywood

No sistema opressor em que estamos inseridos, a greve é a principal ferramenta dos trabalhadores na busca por melhores condições de vida. Mesmo que boa parte da população não enxergue esse movimento com bons olhos. Tenho certeza que você já pensou ou presenciou alguém comentar que a greve só atrapalha quem não está envolvido. Isso acontece mesmo quando setores essenciais da sociedade entram em paralização como educação e saúde. Mas e se o sindicato que representa os roteiristas responsáveis pela sua série favorita decidisse entrar em greve? Bem, isso pode acontecer. De novo.

Numa porcentagem histórica, os membros do Sindicato dos Roteiristas dos EUA (WGA) mostraram-se favoráveis a uma nova greve caso as negociações com a AMPTP (Alliance of Motion Picture and Television Producers) não avancem até o dia 1° de maio desse ano. Isso não significa essencialmente que a paralização está em curso, mas sinaliza que os roteiristas estão unidos visando melhorias em seu segmento. Algo parecido aconteceu em 2017, quando 96% apoiaram a ideia mas a greve não ocorreu de fato.

É impossível falar de greve em Hollywood e não lembrar do que aconteceu entre 2007 e 2008, quando por mais de 100 dias os escritores lutaram por seus direitos e travaram o desenvolvimento de várias séries, filmes e programas de talk show nos EUA. Na época, entre as exigências estava uma melhor divisão do lucro das vendas de DVD’s e Blu-Ray. Agora, 15 anos depois, os alvos da vez são os serviços de streaming. Justamente os responsáveis pela revolução pela qual Hollywood tem passado na última década. E não se engane pelas aparências, os roteiristas não estão lucrando na mesma medida que as gigantes do entretenimento.

Entre as demandas da negociação está uma melhor distribuição de ‘resíduos’ por parte dos streamings. Esses resíduos representam uma porcentagem de lucro para cada vez que um filme ou série é exibido. Por exemplo, quando um filme passa em uma Tela Quente da vida, atores, diretor, roteiristas e outros envolvidos ganham um valor em cima do que foi pago pela emissora para adquirir o longa. Na Netflix esse cálculo é quase impossível de ser feito, uma vez que a plataforma (todas elas na verdade) não divulga seus números de exibição. Isso afeta diretamente a renda dos roteiristas, que assistem acordos milionários sendo fechados diariamente e sabem que terão uma fatia mínima desse montante.

Ainda entre os tópicos do acordo está o aumento do salário base, algo essencial para uma classe que nem de longe goza do mesmo prestígio que outros ramos da indústria. Veja bem, para cada Ryan Murphy ou Shonda Rhimes, que recebem milhões por seus projetos, existe uma centena de pessoas que lutam pelo pão de cada dia. Não falo nem da qualidade de escrita, mas da forma como o sistema funciona. Isso engloba também a enxurrada de cancelamentos diários que tanto noticiamos por aqui. Um ator de prestígio logo aparece em outra produção, mas não é como se existisse uma infinidade de oportunidades para todos os roteiristas ligados ao sindicato. Um reajuste salarial garante dignidade a quem precisa sustentar sua família.

A tecnologia também é um assunto delicado, principalmente com a popularização de inteligências artificiais como o ChatGPT. Deve ser proibido ou se encaixar nas mesmas regras atuais de créditos de roteiro? A prioridade das negociações no momento gira em torno da questão financeira. Mas esse debate deve crescer conforme o tempo avança. Também se leva em questão a crise financeira que estúdios e serviços de streaming enfrentam, com demissões em massa em todos os setores. Eles estarão dispostos a pagar mais para os roteiristas? Duvido muito.

Quando você chegar ao final desse texto pode ser que toda essa questão de greve tenha sido resolvida. Repito, nada foi realmente oficializado. Mas conhecendo os rumos da indústria, em alguns anos poderemos estar novamente diante de outra situação parecida. Porém, algo é imutável. Apenas uma classe trabalhadora unida consegue realizar uma mudança significativa.