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Beau Tem Medo

Beau Tem Medo (Beau is afraid) chega nos cinemas brasileiros como o terceiro longa metragem de Ari Aster, o mesmo diretor de Hereditário e Midsommar. O filme promete eternas 3 horas de duração e conta com a estrelismo de Joaquin Phoenix (Coringa), Patti LuPone (American Horror Story e Escola do bem e do mal) e Amy Ryan (The office) no elenco. Produzido pela queridíssima A24, a obra foi catalogado como Comédia/Terror, mas não passa de uma viagem alucinógena de Ari Aester nos conduzindo a uma odisseia angustiante.

Primeiramente, é preciso dizer que Beau is afraid é de longe um dos trabalhos mais complexos e ambiciosos do diretor. Aster usa de toda sua genialidade (ou loucura) para criar um esboço em que relações familiares, monstros medonhos e reflexões psicossexuais te fazem sentir repulsa e ansiedade. O longa é um pedaço de carne mal passada entalada no estômago, e só faz digestão ao longo do seu desenvolvimento.

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Beau tem medo – e muito o que falar

A trama traz a história de Beau Wasserman (Phoenix), um homem solitário e amedrontado por medos e fixações impostas mentalmente pela sua mãe. O protagonista vive em um apartamento capenga localizado no que parece ser uma cidade estadunidense nascida satiricamente de uma propaganda conservadora. Onde crime e caos se encontram, Joaquin desempenha um belíssimo papel ao representar Beau vivendo uma potente mistura de hipocondria e agorafobia em meio a um cenário distópico.

Logo, tudo parece ironia, desde a complexidade da cabeça de Beau, até os acontecimentos a sua volta. Porém, pouco dessa loucura é literalmente terror, contando assim com elementos tão bizarros que chegam a ser cômico. Aster faz questão de enfatizar todos os elementos da cena, dando espaço para que contribuam para a construção de uma paranoia viciante. Dessa forma, o diretor desrespeita a gradação natural, oferecendo sempre um choque caótico ao espectador, que nada espera de uma cena aparentemente simples.

Um dos maiores valores do cinema é poder sentir as mesmas emoções do protagonista de um filme. Assim, em Beau Tem Medo é admirável como a loucura do personagem principal é contagiosa a cada passo da trama. Logo após uma terrível notícia, desencadeia-se uma série de acontecimentos e sentimentos que vão afundando quem assiste em uma areia movediça de angústia e desespero.

Por outro lado,  a narrativa enfatiza questões doentias relacionadas ao biológico. Uma fusão entre mente e corpo abre espaço para um somatório de horrores escancarados, uma marca registrada de Ari Aster. Dessa forma, a psique das relações desperta sentimentos de pena, choque e lamento, em quem se propõe a contemplar Beau e sua vida dolorosa.

Ari Aster constrói uma odisseia

Consequentemente, evidenciamos que o protagonista é um porre. Beau parece ter todas as doenças e neuras do mundo e mesmo assim Aster o torna o herói de uma odisseia de quatro longos capítulos. Em Beau is afraid o bom é sempre punido, não tendo qualquer salvação para o protagonista. Por fim, você espera que ele morra para que acabe com todo o sofrimento que as sequências de cena são capazes de deixar.

Porém, as quatros fases da trama são de tirar o fôlego. Desde o começo um pouco mais calmo é perceptível que Beau vai enfrentar um demônio daqui a alguns minutos. Assim, os capítulos acabam revelando como o protagonista se tornou a pior pessoa do mundo e porque ele merece tanto a morte.

O primeiro capítulo enfatiza o caos da vida de Beau, sua situação de vida sem a mãe. O protagonista quer viver de forma independente mesmo não tendo condições mentais para isso. Já no segundo capítulo, o “herói” precisa encarar um tipo de afeto que sempre ansiou por ver o mesmo em sua mãe. Logo, neste momento, uma construção de sitcom explode na tela, imbuindo ao mesmo tempo uma alegria e uma escuridão inevitável.

Posteriormente, o terceiro capítulo constrói um trabalho esotérico na trama. Uma peça de teatro disfarça uma metalinguagem enquanto traz possibilidades oníricas para um futuro feliz, mas também reflexões religiosas para Beau. Ao que tudo indica, o herói se vê confrontado a descobrir seu passado com resquícios mínimos da sua memória ao mesmo tempo em que espera a luz celeste lhe dizer o que fazer.

Por fim, no quarto capítulo, Beau é obrigado a enfrentar seu maior medo: sua mãe. Entre flashbacks e momentos bizarros, a figura materna é sempre maior que ele. Assim, a presença de Patti LuPone no papel é tudo que o filme precisava para ganhar novas engrenagens.

Veredito de Beau is afraid: vale à pena assistir?

Beau is afraid é tanto sobre a perda dos pais quanto sobre a culpa que pode acompanhar uma experiência tão tumultuada. Não há clareza durante a narrativa e nem muita luz no final dela. Assim, Aster constrói seu império paradoxal de forma doentia e que se assemelha muito a um relógio, isto é, uma contagem para o fim do mundo.

O que Beau pode oferecer é uma aceitação resignada de suas circunstâncias, mesmo quando elas se tornam cada vez mais inacreditáveis. Essa omissão toda desperta uma raiva que nos remete aos minutos inicias de Coringa, em que Phoenix entregou um dos melhores papéis da sua carreira. Por outro lado, a construção de cenário e produção nos remete ao O Show de Truman, em que tudo só pode ser armado ou o mundo está acabando.

Outro pontos positivo são a engenharia de som e os efeitos especiais. Esses dois elementos trazem o filme para uma outra dimensão, já que completam todos os sentimentos de angústia que Beau desperta. Porém, o filme só ganha essa exclusividade porque se ancora na atuação fantástica de Phoenix. Logo, nenhuma outra pessoa seria capaz de trazer um olhar tão desmiolado e perdido quanto o ator foi capaz de inserir nos detalhes das cenas.

Contudo, é preciso pensar em conceitos. Até onde vai a implementação de conceitos dentro de um trama? O DNA cinematográfico de Ari Aster está em todos os lugares, assumindo novas formas que parecem mais uma quimera pronta para te deixar encucado. Beau is afraid não é fácil de se entender, mas vale a pena pela ambição de enfrentar os medos e rancores que o diretor guarda desde a sua infância. Assim, saímos de uma posição passiva e desejamos a todo momento que Beau morra, pela sua má sorte ou mesmo pela sua covardia.

Ari Aster poderia ter teorizado o complexo de Édipo, mas Freud jamais produziria Beau is Afraid.