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Men – Faces do Medo é uma experiência singular e catártica

A fábula estranha e sinistra proposta em Men – Faces do Medo coloca a excelente Jessie Buclkey (uma das melhores atrizes de sua geração) tirando um tempo para si após uma tragédia pessoal, em um Airbnb na zona rural inglesa, quando, então, o enredo abraça com paixão o romance gótico, mas o reinventa com a modernidade – o roteiro jamais abre mão da tecnologia, como outros longas contemporâneos o fazem burramente -, portanto, se ela ligar para a polícia, será atendida, ou se ela fizer uma vídeochamada com a amiga, terá sucesso (ainda que complicadores inevitáveis surjam no meio do caminho).

Alex Garland, que já nos presenteou com os primorosos Ex_Machina e Aniquilação, retorna em mais uma produção suntuosa, apostando em uma fotografia belíssima, seja investindo no tenebroso uso do vermelho, ou no deslumbrante verde da natureza local, ao mesmo tempo solitária e insólita, para narrar um conto abstrato sobre o patriarcado e, da mesma maneira que Jordan Peele usa Corra! para falar de racismo, Garland usa Men para metaforizar o sexismo, mas sem um discurso panfletário ou óbvio. Com seu texto inteligente e sua direção sagaz, o cineasta aposta na inteligência do espectador para sugestões sutis, indo e voltando no tempo, com as memórias traumáticas de sua protagonista criando paralelos com a tentativa de paz fracassada no presente, à medida que salta do thriller para o horror gore.

Buckley, cada vez mais costumaz com papéis estranhos (vide Estou Pensando em Acabar com Tudo, a quarta temporada de Fargo e até sua passagem em A Filha Perdida), se encaixa perfeitamente na figura que representa tantas mulheres por aí, em situações comuns de risco diante dos homens. Em contrapartida, o ótimo Rory Kinnear (que se destacou principalmente como a criatura de Frankenstein em Penny Dreadful), interpreta todos os personagens masculinos do longa (exceto um), o que amplia o debate proposto, principalmente em uma primeira interpretação menos literal, de quando vemos ele, ou todos, como a visão do homem sobre a mulher e do que todos os homens são capazes de falar ou dizer, mesmo que nem todos cheguem às vias de fato. E Men trabalha com requinte sua premissa, espalhando pequenos momentos (que são tão reais quanto parecem, pergunte a qualquer mulher), e também apresenta esculturas antigas que representam o masculino (em destaque e que vai reverberar no fim) e do feminino (oculto virado para trás no ambiente sagrado), criando inteligentes paralelos com Eva, Pandora ou qualquer mito feminino que foi abolido por “ter cometido um pecado” (como tomar a iniciativa de comer a maçã do Eden).

O desfecho, que assume mais o seu lado terror cru e visceral – com imagens gráficas fortíssimas, mas não para um verdadeiro fã do gênero -, parece discrepante a princípio, pois dá forma ao que antes era metafórico, mesmo assim não trai sua premissa, pois não explica o mal, apenas usa de sua silhueta para reforçar o símbolo opressor enquanto coloca sua protagonista em um papel de vítima, até alcançar a letargia e, com ela, uma espécie de solução. Falsa solução, é bem verdade, pois sabemos que o homem, seja no machismo ou na misoginia, seja na sua fala ou em sua cegueira, seja na passada de pano para o amiguinho, ou o olhar repleto de preconceitos, representa um só, ou todos, e não pode ser destruído tão cedo. Mas existem meios para tal.

E Garland, como o bom artista que é, representa isso de uma maneira dura e encantadora ao mesmo tempo e como poucos, entregando uma experiência singular e catártica com Men – Faces do Medo.