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Semente de Sangue

A literatura nacional ainda é muito criticada pelos próprios brasileiros, e muitas vezes temos que ouvir comentários de que ela não presta – mas a pessoa nem mesmo saiu da bolha de autores clássicos, com uma leitura muitas vezes difícil e maçante. Há um mercado crescente interno e autores incríveis surgindo e colocando a cara no sol. Uma dessas pessoas é o maravilhoso Gabriel Yared, que pôs o pézinho em uma área da literatura nacional que as pessoas mais têm preconceito com Semente de Sangue: o terror.

Afinal, terror nacional presta?

Se depender de Gabriel, sim! Com uma trama bem calculada, mergulhamos no drama da família Guimarães, na loucura lenta e doentia que toma as mentes deles, no medo irracional por cada esquina escura, na confiança de que o sobrenatural não existe e tudo aquilo é apenas um mal-entendido. Mas não é.

De cara, vemos que a família Guimarães perde o seu patriarca de uma forma que parece natural, mas somente nós sabemos que não foi. Os irmãos Carlos e Adrianda são obrigados a voltar para a despedida do pai em Mazagão Velho – local que tinham prometido nunca voltar. Junto com suas crias, eles vão ser obrigados a encarar o passado e a mergulhar em um mistério que, mal sabem eles, envolve a sua linhagem de sangue há muito tempo e pode levá-los ao seu derradeiro fim.

Eles ficam hospedados na casa da família, que está lá desde o século XVIII, um prêmio que um antepassado recebeu na época das capitanias hereditárias por ter lutado contra os mouros. Os Guimarães eram a família mais abastada daquelas terras, com uma prolífica fazenda cheia de escravos, para depois se tornar um local que alimentava a cidade inteira. Apesar da história que parece bonita, os jovens descobrem que dentro da casa há partes inimagináveis, como a velha senzala. Para além dos fantasmas que vivem naquele local, uma entidade maligna aparece cada vez mais para assombrá-los, torturando-os física e mentalmente, levando-os ao caminho que ela parecer querer: a mais pura vingança. Para sobreviver, Madeleine e Thiago se desdobram para descobrir quem é e porque está tentando eliminá-los. De quebra, quem sabe, não se deparam com uma solução?

Com uma escrita para lá de gostosa, a narrativa criada por Gabriel nos leva aos confins do Norte do país, levantando questões pertinentes sem desgastá-las, enquanto nos aterroriza aos poucos. A trama vai indo aos poucos, construindo o terror ao redor dos núcleos de Carlos, a sobrinha Madeleine e seu filho Thiago, no qual cada um confronta um aspecto diferente do problema que os aflige.

Uma das coisas interessantes de Semente de Sangue é como o autor consegue transitar naturalmente entre presente e passado, entre a visão de casa personagem, como estão seguindo caminhos separados em seus tormentos e descobertas. A cada nova descoberta, ficamos tão estarrecidos quanto os personagens, e isso é muito revigorante. Fazia tempo que não encontrava uma narrativa que usava velhos caminhos de forma tão boa, a ponto de sentir como se fosse uma nova maneira de contar histórias.

Além disso, os personagens são cativantes, conseguimos nos interessar pelas suas histórias, seus dramas, seus medos, seus terrores. Até mesmo Carlos, o “novo patriarca” (título que ele não quer e vai desprezar), que costuma ter ações que negam o que está acontecendo diante dos seus olhos, consegue nos envolver. Nem que seja na vontade de dar um cascudo. Amo como o arco de Thiago foi feito com delicadeza, explorando bem a pessoa que ele é, ao mesmo tempo em que vivencia um monte de coisas novas – sejam boas ou ruins -, sem sair da trama principal. Até as crianças que aparecem somente de vez em quando são umas fofas e queremos abraçá-las e protegê-las do mal.

Por último, a maneira como Gabriel constrói a narrativa passado x presente pode não ser inovadora, mas é algo muito atual nessa geração, em que os novos precisam resolver os buchos deixados pelos adultos, que rejeitam o que está acontecendo ao seu redor.

Semente de Sangue é uma baita estreia

Semente de Sangue dá um murro em muitos autores de terror “experientes”, e ainda deixa a gente feliz por estarmos vendo algo nosso. Nossas gírias, e não uma tradução. Nossas cidades. Nossos trejeitos. Nosso povo. E é um alívio ver uma história que não se concentra em Rio/São Paulo. Sem falar que é o primeiro romance de Gabriel.

Imagina lançar seu primeiro livro e ele ser incrível assim? Um sonho.

No fim, o livro é uma excelente pedida para os fãs do terror. Não é muito longo, a escrita é tão gostosa que mal sentimos nossas mãos passando as páginas, e é muito acessível. Leiam!