Definitivamente, Tom Holland não quer que sua carreira fique presa apenas à imagem de Homem-Aranha. Para isso, o ator, que começou a chamar atenção em O Impossível (2012), vem procurando deixar claro para os espectadores que seus recursos cênicos vão muito além dos que exibe nos filmes da Marvel. E se é pra mostrar que entende de atuação, o menino Holland não brinca em serviço. Depois de O Diabo de Cada Dia (2020), da Netflix, e Cherry – Inocência Perdida (2021), da Apple TV+, o ator mergulha em mais um personagem obscuro na série Entre Estranhos (The Crowded Room).
Nova parceria de Holland com o streaming da Apple, Entre Estranhos é mais uma boa adição ao catálogo da maçã, que vem se destacando também por ótimas produções originais que chamam atenção por seus roteiros, a exemplo de Ruptura e Iluminadas. Funcionando como uma série antológica – cada temporada contará uma história diferente –, o primeiro ano se baseia no livro biográfico The Minds of Billy Milligan e foca em seu enredo no personagem Danny Sullivan (Holland), que se envolve numa tentativa de assassinato em Nova York no ano de 1979.
Com Danny sendo preso já no início da trama, a série nos leva a um quebra-cabeças que, para muitos, pode ser delicioso de montar. Quem ele queria matar? Qual sua motivação? Ele foi coagido a isso? De cara, nos identificamos com o protagonista – difícil não ficar do lado de Holland, especialmente quando ele interpreta alguém aparentemente indefeso e sem nenhuma vocação para o crime. Para nos ajudar a entender o que exatamente está acontecendo, entra em cena a atriz Amanda Seyfried (Mamma Mia!), que interpreta a psicóloga Rya Goodwin, com quem Danny passa a ter diversos encontros para contar sua versão da história e que, aos poucos, também ganha destaque na série.
A partir daí, a trama nos leva a vários flashbacks onde podemos conhecer mais sobre Danny Sullivan e todos que o cercam. Sem trazer em seus primeiros episódios nada que já não tenhamos visto antes em outras produções do gênero, a série demora um pouco a engatar, deixando-nos por um bom tempo sem entender ao certo o que fez o atual Miranha dos cinemas embarcar no projeto. O que posso dizer (sem entregar spoilers) é que se você persistir um pouco, certamente será recompensado. Passado esse início meio morno – e aparentemente irregular, seguindo por caminhos que parecem não acrescentar muito à trama –, logo entendemos do que se trata a série. Nesse revés, tudo passa a fazer mais sentido e fica mais instigante acompanhar cada episódio.
Trazendo alguns temas extremamente pesados, que envolvem saúde mental, agressão psicológica, o peso de traumas do passado e abuso sexual, o roteiro, que poderia perfeitamente apelar para o drama gratuito, foge desse caminho, tocando nos temas apresentados sem parecer estar se aproveitando deles para nos arrancar lágrimas. Ponto para o roteirista Akiva Goldsman, que ficou popularmente conhecido por seu trabalho em Uma Mente Brilhante, vencedor do Oscar de Melhor Roteiro, em 2002.
Com a série finalmente pegando no tranco, ficamos cada vez mais instigados a encaixar suas peças. E a forma com a qual ela apresenta alguns elementos é muito inventiva. Seus supostos pontos cegos passam a fazer mais sentido e fica ainda mais fácil se envolver com tudo diante da incrível performance de Tom Holland, que aqui tem a oportunidade de mostrar diversas camadas de atuação.
Vale dizer que Holland declarou em entrevista recente que vai dar um tempo na carreira por conta de sua imersão na série. O que tem de marketing nessa fala não dá pra saber exatamente, mas o fato é que sim, seu personagem é bastante denso e de certo deve ter exigido muito do ator.
Mesmo fazendo uso de diversos clichês tão comuns nesse tipo de produção, Entre Estranhos encontra sua própria identidade, bebendo de elementos da psicologia para enriquecer seu plot. Pegando o fim dos anos de 1970, quando a polícia estava começando a ficar mais atenta ao estudo da mente por trás de determinados crimes – vide Mindhunter –, a nova série do Apple TV+ ao final não decepciona, surpreendendo ainda por adicionar lindamente Beatles (algo raro) em sua trilha sonora. Se ao assistir os primeiros episódios sentir que a série ainda não te pegou, deixa só tocar as primeiras notas de Let it Be e você finalmente se entrega.