Eu Me Importo

O sonho americano – e suas mais diversas consequências – é um elemento trabalhado constantemente em Hollywood. A busca desenfreada por vencer financeiramente na terra das oportunidades, ainda que abrindo mão de princípios morais, costuma render filmes das mais variadas qualidades. Adam Sandler está magistral em Jóias Brutas, com seu personagem trágico. Já Ron Howard falhou em trabalhar o lado da sociedade que acordou do sonho e encarou a realidade americana. É nesse espaço entre o incrível e o esquecível que Eu Me Importo está inserido. O novo filme original da Netflix flerta com diversos gêneros enquanto faz de tudo para chocar o espectador. Infelizmente, o equilíbrio acabou engolido pela necessidade de ser ousado demais.

Marla Grayson (Rosamund Pike) ganha a vida aplicando golpes em idosos. Abusando das falhas dos sistemas médico e judiciário, ela prende suas vítimas em casas de repouso enquanto tira todos os bens delas. Quando surge a oportunidade de fisgar um grande alvo, ela e sua namorada e sócia Fran (Eiza González) não medem esforços para agir. O problema é que as aparências enganam e elas acabam envolvidas em algo perigoso.

Desde os primeiros minutos da projeção, Eu Me Importo deixa claro que vamos acompanhar pessoas totalmente inescrupulosas. E pior, que realmente acreditam que estão apenas pegando sua fatia do sucesso que sempre fora prometido durante suas vidas. A intenção do diretor e roteirista J Blakeson é incomodar o público, deixando claro que ninguém é digno de empatia. Portanto, esse acaba sendo o maior acerto do filme. A curiosidade para acompanhar o desfecho da trama supera até mesmo o desprezo evocado pelos personagens. Na ausência de alguém para torcer, nos resta a esperança de que pelo menos eles paguem pelos atos hediondos.

Porém, o longa flerta com tantos elementos e situações que acaba se perdendo nas horas mais cruciais. Existe uma dúvida em qual gênero Eu Me Importo se encaixa. É possível reconhecer camadas de uma comédia ácida, do tipo que arranca risos nervosos de quem assiste. Mas em outros momentos o filme assume uma vertente de thriller, entregando doses de violência e tensão. Quando Marla é o centro das atenções, seus figurinos coloridos e a fotografia entregam uma sensação quase onírica. Por outro lado, a inserção de Roman Lunyov (Peter Dinklage) nos fisga para realidade. Essa alternância de perspectiva incomoda, gerando momentos em que nossa suspensão de descrença precisa agir.

Mas se os personagens centrais da história não despertam nenhum tipo de empatia e a estrutura do filme é inconstante, o que impede de deixar a produção de lado a qualquer momento? Certamente é o trabalho hipnotizante dos atores. Rosamund Pike entrega uma personagem fria, impiedosa e sem qualquer tipo de preocupação com as pessoas cujas vidas são destruídas. Sua postura inabalável, mesmo diante de situações extremas, corrobora seu discurso constante sobre ser uma mulher que não se ajoelha diante dos homens. O sorriso assustador e o olhar penetrante de Pike são a cereja do bolo. Talvez você ouça que ela está repetindo sua atuação de Garota Exemplar, mas não é possível colocar isso como demérito.

Já Peter Dinklage emprega maneirismos divertidos em sua atuação, mas que em nada diminuem a sensação de perigo que seu personagem precisa transmitir. Pena que suas cenas ao lado de Pike são poucas, o filme ganha muito quando ambos estão juntos em tela. Eles são a síntese do sentimento de repulsa gerado pelo longa. Apesar de pouco tempo em tela, Dianne Wiest brinca muito bem com a falsa sensação de inocência que sua personagem transmite. Existe malícia em seu comportamento, transmitida especialmente pelo olhar.

Ainda que com um desfecho no mínimo inesperado, Eu Me Importo torna-se vítima de suas próprias ambições. Com o perdão do péssimo trocadilho, o longa deveria entregar algo que realmente fizesse o espectador se importar com o que está vendo. O sonho americano nem sempre é tão bonito quanto parece.