Um local inóspito para se viver, extremamente frio e com previsão para que fique ainda mais. Criaturas do gelo estão à espreita, atentas a qualquer vacilo para te aniquilar. Junto a isso, um grupo de pessoas estão numa base distante do resto do mundo, tendo que cumprir uma longeva missão. Essas são apenas algumas descrições para diversos universos distópicos da literatura, e que tem em Game of Thrones o mais icônico representante quando tratamos do norte de Westeros e da sua imensa muralha. No entanto, antes disso, o mangaká Jiro Taniguchi já havia feito miséria dentro dessa temática com As Crônicas da Era do Gelo, mangá publicado no Brasil pela editora Pipoca & Nanquim.
O mangá apresenta um mundo com essas descrições gélidas mencionadas acima, onde trabalhadores precisam cumprir seus contratos (geralmente longos) com uma gigantesca base geradora de recursos chamada Talpa, pertencente à empresa Givre. Lá, dentre as centenas de trabalhadores, temos uma figura com singular importância, que é Takeru, filho bastardo (Jon Snow, é você?) do dono da empresa e que foi mandado para o local a fim de não causar constrangimentos ao magnata. No entanto, as condições climáticas do mundo estão se acentuando, e a qualidade da velha base será colocada à prova.
Quem possui mais experiência no mundo dos mangás pode ter conhecido o trabalho de Jiro Taniguchi em obras mais contemplativas como Guardiões do Louvre ou O Homem que Passeia. Porém, em As Crônicas da Era do Gelo a abordagem é totalmente diferente, remetendo muito mais a obras sci-fi como Akira, que, por sua vez, foi lançada na mesma época – final da década de 1980.
Para além das camadas de gelo
Talvez fosse melhor ter avaliado a obra após a conclusão com o vol. 2, mas essa leitura me empolgou o suficiente para vir aqui tecer algumas palavras de recomendação. A construção da trama é muito bem conduzida através de uma narrativa que vai inserindo elementos da mitologia criada enquanto apresenta e desenvolve a jornada do seu protagonista.
A princípio, Takeru não está muito interessado em ser uma pessoa moralmente íntegra, tampouco assumir quaisquer responsabilidade mesmo quando, por um acaso do destino, a direção da Talpa cai em seu colo. Na condição de diretor improvável é que suas provações começarão e, nesse sentido, alguns personagens se destacam para ajudar nesse processo, como é o caso de Jarvis.
No entanto, aos poucos vamos conhecendo mais camadas dessa imensidão de universo criado por Taniguchi, como a lenda dos Gigantes Azuis, a tribo que os venera e o marginalizado grupo Piratas dos Mares de Gelo.
Esses piratas, por sua vez, protagonizam a melhor sequência desse vol. 1 de As Crônicas da Era do Gelo, mostrando uma arte fora de série com detalhes minuciosos de todo o aparato tecnológico do qual Taniguchi lança mão, unido a uma narrativa sequencial envolvente de tirar o fôlego. Se você não se pegar completamente envolvido pela história depois desse trecho, é porque seu coração congelou (desculpe o trocadilho).
Como ponto fraco, fica as motivações do protagonista da obra, Takeru, ao embarcar em sua jornada. A impressão que fica é a de que o garoto aceita, seja para o bem ou para o mal, qualquer que seja o destino que lhe foi reservado. Basta que alguém aponte pra onde ele precisa ir. Isso pode ser melhor explicado na sequência, claro.
No mais, esse primeiro volume faz o trabalho de isca de forma perfeita, instigando o leitor baseado na pura genialidade e habilidade desse renomado mangaká, que infelizmente nos deixou no ano de 2017, aos 69 anos. Em breve receberemos o vol. 2 do projeto, e assim entraremos mais em detalhes técnicos da edição da Pipoca & Nanquim, outras referências do autor e claro, a avaliação definitiva a respeito dessa sua rica história.