Trabalhar o ano todo e tirar um mês de férias está entre as melhores conquistas do direito trabalhista, e Verões Felizes – Volume 1: Rumo ao Sul! usa isso como motor de sua narrativa, tendo na família seu tema principal. Nostálgico e emocionalmente certeiro, o quadrinho de Zidrou e Jordi Lafebre lançado em 2017 pela editora SESI-SP é uma interessante leitura – especialmente em tempos de capitalismo financeiro e isolamento social.
A trama acompanha uma família belga onde o pai, Pierre, está sendo pressionado a terminar logo seu trabalho para que todos possam usufruir do esperado período de férias. Em meio a perrengues da viagem, acompanhamos os dilemas e conflitos de pessoas comuns, como eu e você. Isso se mostra através dos desafios que é cuidar dos filhos, crises no casamento, doença grave na família e, sem soar piegas, momentos de felicidade.
A arte de Jordi Lafebre é espetacular e chama atenção logo de cara, representando bem a ambientação dos anos 1970 só que em locais pouco explorados. O trabalho de cores do desenhista realizado junto com Mado Peña é o grande diferencial visual, principalmente nas paisagens naturais, mas conforme nos envolvemos com a história podemos observar que a qualidade dos desenhos também ajuda a evidenciar demais as expressões e emoções dos personagens.
O roteiro de Zidrou, no entanto, não fica para trás. Como Verões Felizes se propõe a ser uma história sobre felicidade, é surpreendente o modo como o autor consegue colocar temas potencialmente pesados dentro da sua redoma familiar. Detalhes mínimos acabam por ter grande impacto na história como um todo, e a sensibilidade aplicada na obra é elogiável: a esposa de Pierre (Madô) quer o divórcio, o patriarca possui dificuldades em crescer no trabalho como desenhista de quadrinhos, um dos filhos do casal insiste em ter um amigo imaginário (mesmo com uma ruma de irmãos para ele interagir), uma familiar próxima está com câncer… e por aí vai.
A forma como os problemas aparecem para essa família (e muitas outras) reflete na forma como eles planejam suas férias, que é simplesmente fazendo as malas e seguindo para o sul sem pensar muito em como serão as coisas, mas gozando sempre de um prazer genuíno em estar em família.
Ler Verões Felizes nesses tempos de isolamento social também possui suas peculiaridades. Por mais que estejamos quebrando essa restrição em diversos momentos, esses eventos em família como viagem e um encontro sem culpa ainda não são possíveis para grande parte das pessoas, aumentando nosso nível de carência uma vez que não podemos ir num pique nique ou mesmo para a praia.
Junto a isso, também há a distância da realidade de 1973 que não condiz muito mais com a atual, e nem me refiro à questão da presença de celulares e outros dispositivos na nossa interação. A dinâmica de um trabalhador naquela época mudou muito, e hoje, esse trabalhador que ralava o ano todo para poder tirar uma folga junto com as férias escolares dos filhos está cada vez mais raro. Estamos sendo jogados para um buraco onde somos patrões de nós mesmos através de um aplicativo ou qualquer direcionamento do setor de serviços, logo, não precisamos e nem podemos tirar um tempo para proveito próprio ou em família, uma vez que se ficarmos parados não faturamos. Essa mudança afeta tudo, inclusive em como criamos nossas crianças. Mas que fique claro que a HQ não vai além nessa discussão econômica/social.
A edição do SESI-SP conta com a traudção de Fernando Paz e segue o padrão europeu de tamanho, encadernado e com capa cartonada. As poucas páginas e a leveza da história fará com que a sua leitura seja bastante ágil, com poder de gerar muitas reflexões após o consumo da obra. Ótima oportunidade para voltar ao início e reler tudo. Vai aquecer o seu coração.