A recente declaração de Jordan Peele, diretor de Corra! e Nós, sobre não ter a intenção de contratar atores brancos para estrelar seus filmes, trouxe à tona um debate antigo sobre a suposta existência de um racismo reverso, ou seja, um sistema onde os brancos também sofrem preconceito pela sua cor de pele. Sendo assim, não tem sido raro encontrar postagens nas redes sociais como a de baixo:
Mas o que esse cidadão desconhece em sua virtual indignação é que, de forma velada, a maioria esmagadora dos diretores (de Hollywood ou não) praticam o oposto, ou seja, só temos protagonistas brancos em seus filmes.
Podemos interpretar como um começo dessa mudança o acréscimo de personagens representativos como coadjuvantes em grandes produções, como quando a grande estrela (uma pessoa branca e heterossexual) tem como parceiro um negro. Ao mesmo tempo, é sensato supor que a indústria como um todo não se preocuparia em expandir essa prática.
A quebra de fato veio com filmes como Corra!, Mulher-Maravilha e Pantera Negra, por darem pleno protagonismo a setores representativos e progressistas numa escala blockbuster. Não podemos desmerecer, no entanto, a contribuição de outros como 12 Anos de Escravidão
Não que na indústria não tenha profissionais brancos dando o protagonismo aos negros e negras. Vale lembrar, por exemplo, Quentin Tarantino com Jackie Brown e Django ou Steven Spielberg com A Cor Púpura e Amistad. O que muda aqui é o fato da questão identitária ser tratada em todo o contexto cinematográfico. Por exemplo:
- 1- Mulher-Maravilha é um filme sobre uma protagonista mulher (Gal Gadot), onde a direção é comandada por outra mulher (Patty Jenkins) numa trama onde o poder feminino tem grande importância. Consequentemente, o público feminino se sentirá representado, assim como o filme será bem aceito por pessoas simpáticas aos direitos das mulheres.
- 2- Pantera Negra é um filme sobre um protagonista negro (Chadwick Boseman), onde a direção é comandada por um diretor negro (Ryan Coogler) numa trama onde questões raciais tem grande importância. Consequentemente, o público negro se sentirá representado, assim como o filme será bem aceito por pessoas simpáticas aos direitos dos negros e negras.
Já foram feitas obras do tipo anteriormente, mas não numa escala tão abrangente de bilheteria, compreende?
Agora, se você ainda acha que Jordan Peele está sendo um grande racista pela sua declaração, que tal usarmos alguns exemplos de diretores que só possuem protagonistas brancos em seus filmes?
David Fincher
Clube da Luta, Mindhunter, Garota Exemplar, Zodíaco, Seven, O Curioso Caso de Benjamnin Button, A Rede Social, Millennium. David Fincher é um dos grandes nomes da atualidade quando o assunto é produzir e dirigir. Trazer protagonistas brancos parece ser o comum pra ele.
Christopher Nolan
Sempre presente em diversos debates, Nolan só possui atores brancos estrelando seus filmes, desde Batman até Interestelar, passando por A Origem e Dunkirk.
Martin Scorsese
Os Infiltrados, Os Bons Companheiros, Cassino, Taxi Driver, Ilha do Medo… Scorsese é, sem dúvidas, um dos meus diretores favoritos. Sabe em quantos filmes dele há um protagonista negro?
Stanley Kubrick
Laranja Mecânica, O Iluminado, Glória Feita de Sangue, 2001: Uma Odisseia no Espaço, de Olhos Bem Fechados. Grandes clássicos, nenhum protagonista negro.
Woody Allen
Mesmo em baixa após nova acusação, vale lembrar do grande respaldo do cineasta em Hollywood há décadas. Sua carreira se fez através de filmes como Manhattan, Meia-Noite em Paris, Blue Jasmine etc.
Logicamente, na minha condição de branco / hétero, não possuo respaldo para falar em nome desses segmentos progressistas, mas ao menos posso afirmar aqui meu apoio às suas pautas.
Todo o sucesso de Nós, que só no primeiro final de semana em exibição nos EUA dobrou a bilheteria de Corra! no mesmo período, certamente vai solidificar a posição de Jordan Peele como um dos grandes nomes do cinema atual. Falamos sobre o diretor, ator, roteirista e produtor no mais recente vídeo do canal no Youtube.
https://www.youtube.com/watch?v=mEhlMhKh9OA
Racismo inverso não existe. Pare de passar vergonha.