Em 1992, Tom e Jerry – O Filme estreou nos cinemas e foi um fracasso de bilheteria. Enquanto o orçamento foi de US$ 3,5 milhões, o longa-metragem não conseguiu faturar nem o dobro do valor investido. Além da história da garotinha maltratada por sua tia cruel ser pesada demais, ainda descaracterizaram Tom e Jerry, trocando a graça de suas expressões em silêncio pela capacidade dos dois bichos falarem grosserias um com o outro, tornando o que era divertido em um monte de cenas desagradáveis. 29 anos depois, Tom e Jerry – O Filme está novamente nos cinemas, com o mesmo título, mas sem sombra alguma dos erros do seu antecessor. Depois de tantos filmes menores, enfiando a dupla em obras como Mágico de Oz e Sherlock Holmes, com a mesma liberdade que se faz uma fanfic, Tom e Jerry recebe o respeito da Warner Bros. Pictures e ganham um material à altura do seu sucesso.
Diferente da premissa do clássico desenho animado, o gato Tom não é um animal doméstico nesta nova versão e sim um músico de rua, que, disfarçado de cego que toca teclado, ganha dinheiro com o golpe. Quando Jerry, em busca de um novo lar, causa uma imensa confusão envolvendo Tom e a jovem astuciosa Kayla (Chloë Grace Moretz), cria-se o primeiro vínculo para o início de uma relação que transita entre o amor e o ódio. Enquanto Kayla finge ser uma profissional capacitada para trabalhar em um luxuoso hotel, Jerry escolhe o mesmo local para ser a sua casa. Um importante casamento indiano está prestes a acontecer e Kayla é encarregada de se livrar do rato Jerry, que, se for descoberto por outros hóspedes, acabará com a reputação do hotel. Para isto, ela conta com o auxílio do gato Tom, tornando-se, assim, o cenário perfeito para o caos que o público adora.
Desde a primeira cena, fica notória a atenção para o trabalho de William Hanna e Joseph Barbera, os criadores dos ícones que agora estão no novo filme do diretor Tim Story. O layout do fundo clássico circular com cores alaranjados já é o suficiente para transportar os mais velhos ao passado e o melhor, a viagem no tempo se estende até o final.
O trailer divulga bem a ideia principal, mas não consegue expor a quantidade de pontos positivos guardados para o filme. Existem vários fan services sutis, resgatando momentos marcantes da animação da TV, e que não interferem em nada na experiência das crianças brasileiras que podem não ter mais a facilidade em ver a animação como antigamente pela emissora de televisão SBT. Pelas risadas constantes no cinema, não dá para negar que o conjunto da obra funciona para todos, mesmo que os mais novos não entendam certas coisas, como as homenagens a cenas consagradas de Batman e Hannibal no cinema.
Em uma realidade onde todos os animais são desenhos animados, a relação da animação, que é um meio termo entre animação 2D e 3D, bem no estilo do saudoso Space Jam, com o mundo real é fascinante ao conseguir o suficiente para não criar nenhum incômodo de efeito especial inacabado. Apesar das recentes adaptações de personagens infantis para live action, como os pokémons de Detetive Pikachu (2019), onde se busca criar seres mais próximos do que poderiam existir de verdade, assistir esse tipo de trabalho realizado em Tom e Jerry – O Filme é muito necessário, já que resgata outras possibilidades de interação.
Qualquer mudança nas decisões do formato original é para fortalecer a trama. No lugar de instrumentais de música clássica, há ritmos frenéticos de hip hop, jazz e músicas famosas que remetem ao clima de Nova York, dando uma energia maior para as cenas de ação. Ao invés da história se passar em uma simples casa com uma empregada brava, é apresentado um luxuoso hotel com o irritante chefe Terrence (Michael Peña). É a mesma essência, mas numa proporção maior.
O roteiro é muito certeiro ao conseguir criar personagens adultos que pareçam estar em um filme adulto. Não é porque estão cercados de desenhos animados que as falas devem ser abobalhadas e os atores foram muito bem dirigidos para impedir qualquer excesso. Diferente de outros filmes infantis, até mesmo a forçada piada de pum se torna engraçada, pois não é a graça principal de todo o ato. Por mais que a história do casamento entre o extravagante Ben (Colin Jost) e da romântica Preeta (Pallavi Sharda) ganhe um bom destaque, não tira o foco dos protagonistas e nem se torna sacal para o público infantil. Kayla, que é uma junção da personalidade de Tom – espertalhão e insistente – e Jerry – resolutivo e sagaz, apresenta um drama bem simples e que, por mais artificial que seja, dá para aceitar a conclusão de sua trama.
Evitando qualquer tema polêmico como uso de armas e bebida alcoólica, presente nos primeiros desenhos animados, o filme tenta manter a rivalidade de Tom e Jerry no limite do aceitável, sempre buscando o tom cômico e mostrando para os dois que é possível existir uma relação saudável com alguém que seja inimigo. Uma difícil tarefa, afinal, a graça do filme é esse pega-pega entre os bichos.
Tom e Jerry – O Filme é surpreendente por agradar com o básico muito bem feito, trazendo em imagens coloridas a diversão ideal para a família. Está longe de ser uma ratoeira armada com um filme sem graça como isca. Fique à vontade para começar a correr atrás de Tom e Jerry.