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Nós (Us) | Final explicado e outros detalhes

Nós, o novo filme de Jordan Peele, chegou aos cinemas e já está sendo muito elogiado pelos críticos e público. O segundo filme do diretor traz mais uma vez um terror e suspense misturado com Blaxploitation e muito subtexto. Para entender melhor o final do filme e outros detalhes da trama, vamos explicar um por um agora. O texto a seguir contém spoilers da trama.

Hands Across America

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Um dos detalhes mais importantes do filme e que pode passar um pouco sem entendimento para nós brasileiros foi o evento Hands Across America O ato foi um evento beneficente organizado por Ken Kragen (o mesmo cara responsável pelo We are The World) em 1986 para arrecadar entre 50 e 100 milhões de dólares para as pessoas passando fome e sem casa nos EUA. A ideia era que milhões de pessoas em todos os Estados Unidos segurassem as mãos durante 15 minutos, cada participante teria que doar uma quantia e ganhava uma camisa comemorativa. Vários atores e cantores famosos fizeram parte da publicidade, entre eles Whoopi Goldberg, Kathleen Turner, Barbra Streisand e Michael Douglas. 

Só que o evento foi meio que um desastre. O ato foi patrocinado pelo presidente Ronald Reagen, que tinha uma política muito severa e agressiva quanto aos pobres dos EUA, tornando toda manifestação algo muito hipócrita. Além disso, o evento custou entre $14 e $16 milhões de dólares e só arrecadou $15 milhões para caridade.

Jordan Peele era uma criança na época e achou todo o ato muito bizarro, além de ser um evento que chamou muito mais atenção do que arrecadou dinheiro. Toda a bizarrice do evento misturado com o clima esquisito dos anos 80 inspiraram o diretor para colocar isso na sua história.

No filme, a pequena Red, antes de ir para o subsolo, assistiu o evento pela TV tal como Peele e aquilo ficou na sua cabeça. Ao ir para o laboratório, ela usou uma camisa do ato para se inspirar e criar uma espécie de culto que foi a base para seu plano de invasão da superfície. O que explica também sua ideia de “salvar os Estados Unidos”, ela se sente uma líder e mártir, que vai liderar seu povo para acabar com os problemas da América. Mas problemas como fome não podem ser resolvidos de forma tão simples, essa é a mensagem de Peele.

Jeremias 11:11

Em alguns momentos podemos ver um personagem que faz referência a uma passagem da Bíblia, Jeremias 11:11. Vamos ver o que a passagem diz:

“Portanto assim diz o Senhor: Eis que trarei mal sobre eles, de que não poderão escapar; e clamarão a mim, mas eu não os ouvirei.”

Para entender como a passagem se encaixa no filme devemos entender o livro de Jeremias como um todo. Jeremias era um profeta que avisou aos judeus que Deus não estava feliz como a forma que eles adoravam falsos ídolos, que poderia levar a todo tipo de miséria e ao fim de Jerusalem. A passagem em si fala da forma como Deus vai castigar seus falsos fiéis e ignorar o pedido de ajudar quando eles precisarem.

Dentro do filme, podemos conectar perfeitamente essa passagem com o que Red fala para Adelaide. Ela diz que o povo da superfície não soube aproveitar sua liberdade e está acabando com o mundo, adorando coisas materiais, causando destruição e acabando com o meio ambiente. Agora é a hora do povo do subsolo tomar o poder e “salvar os Estados Unidos”

A grama do vizinho sempre é mais verde

No filme, podemos ver que os amarrados (Tethered no original) sentem inveja das pessoas originais, da sua liberdade e da superfície. Mas esse tema não para por aí, pois Jordan Peele coloca um reflexo disso na família protagonista para fazer uma rima narrativa. Gabe, o pai da família, sente inveja da família branca que são seus amigos, pois eles parecem ser mais bem sucedidos e possuem mais bens materiais.

Dessa forma, essa acaba sendo uma metáfora para a situação dos negros nos EUA. Eles sempre estão atrás dos brancos, tentando se provar ser mais do que eles e ter um espaço melhor na sociedade. Jordan Peele está ciente das dificuldades de ser um americano negro nos Estados Unidos e como eles já começam atrás na corrida para se tornar bem sucedidos. Dessa forma, muitos negros acabam querendo se provar capazes enquanto os brancos não precisam fazer isso, pois já é esperado isso deles.

Essa também é uma crítica de como a nossa sociedade está preocupada com coisas fúteis no lugar de resolver os problemas reais. Algo que a personagem Red acusa no filme.

Os Amarrados (Tethered)

O longa demora bastante tempo para explicar o que diabos está acontecendo e, quando o faz, é uma uma forma até bem expositiva. Mas as coisas não ficam muito bem explicadas. Jordan Peele já falou que existe toda uma mitologia por trás que daria mais filmes.

Pelo que podemos ver no filme, os Amarrados são um experimento fracassado do governo para criação de clones e controle mental. Eles são pessoas exatamente iguais às da superfície e acabam imitando os movimentos e ações das pessoas originais. Como aquilo foi um experimento falho e ignorado, eles ficaram ali em todo o subsolo dos Estados Unidos vivendo uma vida que não era deles e se alimentando de coelhos (que provavelmente foram as primeiras cobaias).

Essa narrativa do governo com programas secretos, principalmente de controle mental, é algo famoso em teorias da conspiração dos Estados Unidos que rolaram em toda a Guerra Fria. Existiu até uma dessas teorias que se provou verdade, o MK Ultra era um experimento secreto da CIA para controle mental que pegava cobaias de clínicas sem aviso e distribuíam gás alucinógeno em grandes metrópoles.

Os amarrados parecem ser ignorantes, como pessoas com problemas mentais. Eles só conseguiram se organizar porque veio uma pessoa da superfície como a mente saudável para liderá-los, o que leva ao nosso último ponto.

Adelaide e Red

No final do filme percebemos que Adelaide na verdade era Red. A garota do subsolo trocou de lugar com a original e acabou vivendo sua vida enquanto a verdadeira Adelaide teve que viver no pesadelo embaixo da terra.

A garota da superfície não falava pois isso nunca foi preciso lá embaixo, ela então aprendeu a falar e a viver em sociedade, provavelmente até esquecendo o seu passado através de terapia. Enquanto isso a menina do subsolo criou um rancor e planejou sua vingança enquanto vivia naquele local que deixaria qualquer um maluco, até a sua voz atrofiou.

No fim, os eventos traumáticos e violentos causados pela invasão fizeram Adelaide descobrir que ela era a Red na verdade. Em diversos momentos ela age com extrema violência e parece gostar disso. O seu filho percebeu e parece que a vida deles nunca mais será a mesma, contrariando o que a personagem fala no final do filme.

Como tudo no filme, existe um subtexto aqui. Peele quer mostrar que o indivíduo é um fruto do seu meio. Não existem pessoas “ruins por natureza”, as condições de vida de uma pessoa podem transformá-la em uma mãe amorosa ou uma assassina psicopata. Dessa forma ele faz os americanos pensarem nas condições que muitos negros, latinos e imigrantes em geral acabam vivendo fora e dentro do país. Quando uma pessoa vive uma vida onde a sua sobrevivência é testada a cada momento e onde não existem privilégios, ela tem que fazer algumas ações questionáveis para sobreviver.

Com certeza ficou muita coisa de fora e existem outras interpretações. É importante sempre lembrar que uma obra de arte complexa como essa não tem uma verdade primordial. E aí? Gostou das nossas teorias? Ficou algo de fora? Comenta aí!