Lançado como mangá pela primeira vez em 1986, Banana Fish conta a história de um líder de gangue, Ash. Mas, primeiro, vemos a Guerra do Iraque, em que um soldado norte-americano perde a cabeça e atira em seus companheiros. A única coisa que diz é “banana fish”.
Doze anos depois, um homem é baleado friamente na rua e, antes de morrer, dá a Ash um pingente suspeito, um endereço e diz apenas duas palavras: “banana fish”. Percebendo que é algo grande, o jovem tenta descobrir a verdade. Porém, em seu caminho está o padrinho do submundo, Dino Golzine, líder da máfia local, que não hesita em impedi-lo.
Dizendo assim, a história até parece mais simples do que realmente é. Ash é um protagonista intrigante, com um passado extremamente pesado e muita força de vontade. Ele é um líder nato, tendo a fidelidade de diversos capangas e atraindo mesmo até o próprio Golzine, que é obcecado por ele de uma maneira nada boa. Além dele, temos diversos personagens importantes na história, como Max, o jornalista, que é absolutamente maravilhoso; Shorter, outro líder de gangue – dessa vez, dos chineses, pelo qual não dá para não se apaixonar e Eiji, um jovem japonês que acaba caindo de paraquedas na história e se envolve até o último fio de cabelo para ficar ao lado de Ash. Os personagens são todos envolventes, tratados com cuidado, tendo complexidade de pensamento, ação e reação.
O anime foi lançado em 2018, por isso há a Guerra do Iraque e algumas novidades, como Smartphone. No mangá original, a história cita a Guerra do Vietnã e não tem as facilidades eletrônicas que possuímos atualmente. Apesar disso, o anime consegue se manter relativamente fiel ao mangá.
A história é complexa, brutal, não hesita em ser cruel e em nos deixar sempre tensos, esperando a próxima coisa ruim acontecer, enquanto Ash tenta descobrir o que é esse tal de Banana Fish e inicia uma guerra contra a máfia. Sinceramente, eu fiquei tão ligada na história que maratonei, não consegui parar de assistir enquanto não acabou e ainda quero mais. É uma história boa, amarrada, com arcos bem fechados e definidos… Não tem como não gostar.
O anime me foi vendido como “yaoi” e, de certa forma, ele é. Não é o seu foco, mas faz parte. Para quem não sabe, yaoi são histórias que permeiam o romance entre dois homens e, infelizmente, o comum é que sejam muito voltadas para relações abusivas, o que caracteriza o gênero como sendo algo não muito saudável. Porém, apesar da brutalidade crua de Banana Fish, a parte de romance é extremamente emblemática, muito bonita, suave e sutil. Algumas pessoas podem até nem enxergar exatamente um romance entre os rapazes – Ash e Eiji – de tão sutil. As nuances entregam todo o relacionamento e, a cada momento, vai estreitando os laços entre eles de tal forma que tudo o que você deseja é que fiquem juntos. Como eu disse, ao contrário do comum, o anime não vende uma história de abuso, o relacionamento entre eles é saudável até onde dá dentro de uma narrativa tão violenta.
A relação de Ash com outros personagens também é muito bem construída e fixada. Não há personagens unidimensionais, cada um possuindo camadas e camadas, que vão sendo descobertas a cada episódio – inclusive os inúmeros antagonistas que o protagonista tem que encarar. Os únicos que são simples são os coadjuvantes, que aparecem em um pedaço aqui e outro acolá. O que é meio óbvio.
Sobre a narrativa violenta, eu achei incrível como o autor teve o cuidado em não glamourizar o estupro, sem utilizá-lo como recurso narrativo para fazer o protagonista ser mais forte, que é o que normalmente acontece nessas situações. Tudo é tratado como deve ser. Ele não se torna forte por ter sido violentado diversas vezes, ele não é a pessoa que é pelo que ele sofreu. Ash é carismático, é inteligente, muito, e aproveitou toda a oportunidade surgida e ainda criou outras para que pudesse sair daquela vida de violência.
Um fato curioso é que dentro do anime é citado um conto de J.D Salinger (autor de O apanhador no campo de centeio), e, nessa história em específico, há um peixe-banana/ banana fish. O conto de Salinger traz como tema, e aqui vai spoiler, traumas de guerra e suicídio, o que o interliga diretamente à história de Banana Fish, em que as duas coisas são retratadas sem qualquer trejeito de glamour. É cruel, é doloroso. E tá ok falar sobre.
O anime também parece beber de outras fontes, tendo episódios com o nome de livros de autores famosos, como Hemingway, o que pode ser que tenha a ver com a história do tal livro ou não (não li todos para saber). E, claro, você vai esbarrar em cenas que podem te lembrar outras obras “cult” do cinema.
No fim, Banana Fish é um anime de ação / drama, frenético, com direito a tiroteios, perseguições, assassinatos, conspirações, o submundo retratado de forma que, suponho eu, seja o mais fiel possível. E, o mais importante, é uma história que se passa nos EUA e todo mundo fala japonês, o que é uma retratação histórica pelo que fizeram com Memórias de uma Gueixa (se você não sabe desse babado, dá um google).
Atualmente, todos os episódios estão disponíveis na Amazon Prime Video. Agora, se você quer ler o mangá, ele será relançado pela Panini e terá um preço um pouco salgado, mas simplesmente porque fizeram tomos enormes englobando vários capítulos em um só lugar.
Se estiver com a cabeça no lugar nessa quarentena, assista Banana Fish. Se tiver arrependimentos, eu sinto muito, mas assistiu errado (será?).