Legion não cansa de redefinir o conceito de insanidade

No pontapé inicial da segunda temporada, Legion mostra que não gosta de respeitar os limites do que julgamos ser normal. É Noah Hawley em sua missão de reescrever a forma como conhecemos as séries de TV

Séries baseadas em personagens de quadrinhos continuam brotando de todos os poros da TV. São produtos de consumo fácil e de enorme apelo com o público, mesmo que a esmagadora maioria não passe de um aglomerado de episódios sem qualidade. Mas entre as que se salvam, como a renascida Agents of SHIELD e a hipnótica Preacher, Legion é disparada a cereja do bolo. O apreço visual e narrativo de Noah Hawley fazem dela a melhor produção do gênero que já viu a luz do dia. E certamente uma das grandes atrações televisivas da última década. E a toda a insanidade destrinchada ao longo do primeiro ano ganha contornos ainda mais espetaculares no primeiro episódio da nova temporada.

Um ano após ser absorvido por uma misteriosa esfera, David Haller (Dan Stevens) é encontrado por Syd e seus companheiros. Acreditando que sua jornada durou apenas algumas horas, logo é revelado que ele esteve ausente por um período muito maior. Tempo mais do que suficiente para que as estruturas do que conhecia fossem radicalmente alteradas. Enquanto nos pegamos duvidando da real existência da tal esfera, o episódio inaugural começa a preencher alguns espaços vazios. Claro, da forma única que Legion entrega suas respostas.

O que logo se destaca é o fato de Syd, Cary (e Kerry), Ptonomy e Melanie terem abandonado a base de Summerland e agora responderem aos comandos da famigerada Divisão 3. No comando, além do deformado Clark, está o misterioso Almirante Fukuyama, trajando um Komusō na cabeça e acompanhado de três mulheres de bigodes que funcionam como suas interpretes. Uma clara criação da mente lisérgica de Hawley. O motivo por trás dessa fusão permanece oculto, mas é pouco plausível que ao longo desse ano a Divisão 3 tenha realmente deixado de enxergar os mutantes como uma ameaça. Nem mesmo a justificativa de reunir forças para derrotarem o Rei das Sombras é consistente. Algo que Legion ensinou é que devemos duvidar de tudo que aparece na tela.

Por falar em Amahl Farouk, pouco vimos de suas aventuras no corpo de Oliver Bird e ao lado de Lenny (a força da natureza conhecida como Aubrey Plaza). Entre boates e piscinas, descobrimos que Farouk agora está infectando a mente das pessoas e as transformando em zumbis batedores de dentes. Até mesmo seu novo encontro com David é cercado de dúvidas, rendendo até mesmo um número musical ao melhor estilo do que vimos na primeira temporada. Inclusive, em uma de suas viagens mentais, David recebe uma informação que pode mudar completamente a dinâmica entre ele e seu inimigo.

Nos aspectos técnicos, o diretor Tim Mielants consegue casar sua visão com o estilo arrojado de Hawley. E mesmo com a enorme carga de informações despejadas, o roteiro escrito por Nathaniel Halpern e também por Hawley não cai na tentação de apressar os acontecimentos. Assim como David, teremos toda a temporada para compreender como as peças irão se posicionar nesse tabuleiro. A participação de Jon Hamm como narrador foi uma ótima sacada.

Apesar de toda a loucura estampada, Legion está longe de ser uma série vazia de conteúdo ou sem pé nem cabeça. Ao compreender sua lógica interna, é possível perceber que estamos acompanhando uma viagem pela psiquê humana, disfarçada de uma trama sobre mutantes. E é bom ter isso mente, não é todo dia que vemos a história da TV sendo reescrita.