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Viajantes do Abismo, de Nikelen Witter (AVEC Editora) | Crítica

Depois de Guanabara Real: A Alcova da Morte, Nikelen Witter traz um novo universo fantástico para os leitores, dotado de boa referência e reflexões modernas

Mais recente lançamento de Nikelen Witter pela AVEC Editora, Viajantes do Abismo é uma obra que merece ser conferida pelos leitores e leitoras ávidos (as) por um universo fantástico inédito a ser explorado. Venha conosco nessa análise SEM SPOILERS do livro!

viajantes-do-abismo-nikelen-witter-avec-editoraA trama acompanha Elissa, uma garota que irá se casar com um promissor político da Tríplice República, que vê seu mundo mudar de cabeça para baixo ao inesperadamente ter seu noivado cancelado. Buscando refúgio na profissão de curandeira, ela precisará assumir responsabilidades perante sua família e o mundo onde habita, que está cada vez mais escasso de recursos naturais, num cenário crescente de caos político.

Logo no começo da obra nos deparamos com uma quebra narrativa que coloca o leitor numa caótica situação de fuga vivida por Elissa e sua família para, logo em seguida, entendermos nos capítulos seguintes o que precedeu esse cenário. Uma escolha sábia da autora, que aproveita essa manobra para nos apresentar seu mundo em decadência.

O maravilhoso subgênero steampunk ganha novos ares aqui, mesmo que não seja predominante para o desenrolar da trama. Mas elementos clássicos estão lá, como a energia a vapor e membros mecânicos para pessoas amputadas.

A elaboração desse universo fantástico é muito bem feita, e consegue surpreender o leitor para além de uma simples analogia com o nosso próprio mundo e seu contexto atual com a intolerância partidária (não exclusiva do Brasil, pois há um crescimento de extrema direita no mundo todo). Porém, o mais significativo dessas comparações é o desleixo com o meio ambiente e as consequências que o mundo irá sofrer por essa negligência. Mas repito: a forma como isso é posto em Viajantes do Abismo é muito original.

Um segundo ponto a ser ressaltado é o vibrante teor político da história que, intencionalmente ou não, a autora traz comparações certeiras com nossa atuação nessa área. Isso se dá através de situações onde os personagens se vêem obrigados a se posicionarem politicamente ao invés de negar esse tipo de atuação, algo que acontece por puro comodismo ou alguma outra desculpa dos chamados isentões.

Os desafios de se criar um mundo inédito para se contar uma história são diversos, e o maior deles para mim (na condição de leitor) é conseguir decorar minimamente os nomes dos das pessoas, dos lugares, do sistema político, seus partidos etc. Nikelen consegue nos manter interessados por Elissa durante todo esse delicado percalço, que pode custar a atenção de quem lê. Talvez seja até interessante uma segunda leitura nessa perspectiva de absorção do universo.

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Há um forte caráter representativo em Viajantes do Abismo, principalmente sustentado no feminismo. Além da protagonista, sua irmã Teodora e a cafetina Tyla assumem papéis importantíssimos na trama como aliadas de Elissa, empoderando assim mais garotas. Não é nada panfletário (mas poderia ser também, cada autor conduz sua história como bem entender), ou seja, a saga de Elissa não foi feita apenas para lacrar.

O tal tigre mencionado na sinopse e na arte da bela capa ilustrada por Camila Fernandes foi criado com uma base fantástica de referência, que é William Blake. Mais que isso, se você retornar ao princípio da edição e reler o poema O Tigre conforme avança na história, vai perceber a influência do autor como um todo nas diversas mensagens que a obra de Nikelen Witter passa.

Senti falta de algumas respostas pontuais, como o motivo do rompimento do noivado de Elissa. Parecia que seria algo a ser revelado e que teria grande peso na trama. Posso ter perdido essa resposta ou realmente não aconteceu.

Viajantes do Abismo é uma aventura certeira, moderna e de qualidade atemporal. Depois de Guanabara Real: A Alcova da Morte (escrito junto com Enéias Tavares e A. Z. Cordenonsi), esse é mais um trabalho digno de nota da AVEC Editora com o envolvimento da autora. Queremos uma sequência 🙂