Que a franquia Velozes e Furiosos se tornou um playground esquisito para diretores testarem sequências mirabolantes envolvendo qualquer meio de transporte e fingindo que os carros tunados ainda importam, todo mundo já sabe. No entanto, a cada nova parte dessa história que só o nome faz lembrar de sua origem vai virando um entretenimento que agradará somente aos menos exigentes. E não é birra de crítico chato que não sabe apreciar algo com a intenção de ser só diversão. Filmes de ação tem que ter correria sim, está liberado os diálogos mais clichês possíveis, tiro, porrada e bomba… sim, quanto mais, melhor! É o que o público quer ver e o gênero permite. Porém isto é apenas o “chassi” de um bom filme de ação que pretende se esticar em várias sequências. Tornar isso o “carro” todo e achar que consegue rodar nove filmes sem parecer um calhambeque é que não dá. Tem quem fique deslumbrado com as cenas caríssimas, que engula cada imploração do roteiro em não se incomodar com a suspensão da realidade, mas a verdade é que Velozes e Furiosos tem se tornado uma exposição de um vazio barulhento desleixado, muito engraçado quando tenta ser drama e sem destino relevante.
A nova aventura começa com o jovem Dom Toretto (Vinnie Bennett) e Jakob (Finn Cole), seu irmão mais novo e nunca citado antes, acompanhando uma corrida de carros onde Jack Toretto (J. D. Pardo), o pai dos rapazes, está tentando vencer. Após um incidente inesperado e um embate entre os irmãos, eles acabam se afastando de vez e criando uma forte intriga. Anos depois, Dom (Vin Diesel) e Letty (Michelle Rodriguez) são retirados do sossego da vida na fazenda quando são surpreendidos pela notícia de que Jakob Toretto tornou-se um criminoso habilidoso e perigoso e está ligado a Cipher (Charlize Theron), uma inimiga do passado. E assim será preciso reunir sua equipe e contar com muita sorte e velocidade para evitar que os vilões não alcancem o que buscam.
Trazendo o máximo de personagens possíveis que já apareceram nos outros filmes, mais do que nunca os protagonistas estão parecendo super-heróis onde o principal poder é a proteção dos roteiristas em mantê-los vivos. São tantos “milagres” que praticamente os carros agora podem andar sobre as águas. Esta proposta de criar riscos cada vez maiores com resoluções absurdas e salvadoras para todos, transforma todo o perigo em algo do mesmo nível que partidas inofensivas de paintball. Não importa se é tiro, mina terrestre, míssel… Nada parece amedrontar ninguém e muito menos ser uma ameaça real.
Muitos elementos de novelas mexicanas estão presente neste filme, principalmente quando envolvem os irmãos Toretto. O uso do mesmo crucifixo prateado para identificar que são da mesma família, os encontros furiosos entre os dois, os momentos de reflexão e chororô… Inclusive, a franquia, que já usou até o velho recurso da perda de memória e transformou Letty em vilã por um tempo, agora resgata o personagem Han Lue (Sung Kang) da morte certa. A explicação para a mágica fuga de Han de um carro que explodiu com ele dentro é a mais cafajeste possível e zomba do público que tenta respeitar o que foi visto anteriormente.
Se antes o ápice dos efeitos especiais era mostrar o nitro entrando em ação por dentro do mecanismo do carro, o orçamento agora permite ir muito além. Para um filme que quer ser ação pura, os efeitos especiais variam muito em relação à qualidade. As cenas que envolvem ímãs gigantes são bem desenvolvidas e entrega detalhes bem convincentes, mas em relação a Letty na moto logo no início é digna de, intercalando com palavrões, mandar de volta para a sala dos efeitos especiais e mandar refazer. Nem tudo está perfeito, mas para a proposta do filme, está no nível “top” esperado.
Além das regras da física e de roteiro terem sido descartadas, a presença de Charlize Theron é mais um desperdício. A vilã é imponente e sagaz, entretanto, nesta parte 9 fica subutilizada para o destaque ser do Jakob, que nem gera tanto interesse assim. Cipher é o “Thanos” de Dom e seu exército motorizado. Uma hora o grande confronto acontecerá e é bem provável que será em duas partes como em Vingadores – Guerra Infinita. Haja ação!
Em 2020, surgiu um boato de que Dom Toretto iria para o espaço e os miolos de todos tentaram descobrir como isto aconteceria, mas ninguém foi capaz de acertar a ideia dos caras, que devem estar listados como roteiristas nos créditos finais. Parecendo mais uma cena de comédia de Austin Powers ou Johnny English, a franquia Velozes e Furiosos agora tem sim uma cena no espaço e é ridícula do jeitinho que tinham a intenção de fazer. Se você irá achar graça? Com certeza. Não pelo mérito da cena em si, mas pela decisão em fazer o que fizeram.
Se for feita uma comparação do que era a primeira parte dessa missão sem fim, onde se roubava caminhões com carros tunados e havia um policial infiltrado na gangue, percebe-se que a história toda virou um fusca com traseira de Ferrari. E que funciona, pois está longe de ser um fracasso de bilheteria. Entretanto é “admirável” ver a montagem do que está sendo feito. Aquele novinho “Dom Toretto”, que arriscava a vida atravessando um carro na frente de um trem como se fosse a coisa mais arriscada que poderia fazer, não imaginaria que no futuro estaria fazendo a linha Tarzan com um carro, um cipó e um truque maroto no volante para se pendurar em um abismo. Achei essa proeza mais absurda do que o momento em que Toretto banca o Sansão e quebra tudo com uma força divina, bem parecido mesmo com a cena bíblica.
No fim, tudo parece ser caminhos para novos filmes e não é demais imaginar uma franquia infantil com o Bryan, o filho pequeno de Dom Toretto. Que tal uma animação em 3D que mostraria as imaginações do garoto sendo um piloto de corrida e Minions sendo seus ajudantes? Não duvide dos estúdios da Universal, heim?
Velozes e Furiosos 9 nunca provocará a paixão por carros que a marca Velozes e Furiosos tem o mérito de ter causado no início dos anos 2000. Não é mais sobre carros tunados, mas ainda é sobre amizade e família. Embora descaracterizado, transformado em algo até desrespeitoso consigo mesmo, ainda oferece diversão e alguma emoção que pareça com empolgação. Infelizmente, já está rápido demais para consertar todos os excessos que impedem de ser um excelente exemplo de ação no cinema.