Adaptar uma HQ parece um trabalho mundano no atual cenário da cultura pop. O material base é variado e existe uma enorme recepção por parte do público e, consequentemente, dos investidores. Contudo, encontrar um perfeito equilíbrio entre respeito ao que está impresso e todas as nuances técnicas de uma série ou filme é bem mais complexo do que se pode imaginar. Foi justamente a incongruência entre esses dois aspectos que impediu que a primeira temporada de The Umbrella Academy atingisse seu enorme potencial. No entanto, é animador reconhecer que esse obstáculo foi superado com louvor na nova temporada, entregando assim mais uma produção original de qualidade da Netflix.
Pegando a última cena do ano anterior como ponto de partida, a trama agora coloca os irmãos Hargreeves em diferentes partes de Dallas, no início da década de 1960. Separados novamente após fugirem do apocalipse, eles seguem suas vidas na nova realidade. Tudo muda quando Cinco (Aidan Gallagher) reaparece com a notícia de um novo fim do mundo que ocorrerá em poucos dias, com ligação direta com o assassinato de John F. Kennedy. Apesar da premissa parecer uma reciclagem do que já vimos antes, a construção é essencialmente diferente. The Umbrella Academy abraça de vez suas nuances mais estranhas e cafonas, resultando em performances mais convincentes, menos excessos na história e uma ótima construção de mundo.
Parece que o showrunner Steve Blackman adquiriu uma melhor consciência do material criado por Gerard Way e Gabriel Bá, assim como assimilou os erros cometidos na temporada passada. Agora, ele investe o tempo de uma forma mais homogênea entre os personagens principais, o que resulta num desenvolvimento muito mais palpável. Isso faz com que a atenção do espectador raramente se desligue da tela, seja pela escala frenética que a trama adquire ao longo dos episódios, mas também porque existe algo mais real para nos importamos agora.
Mesmo trabalhando com vários núcleos diferentes e a inserção de novos rostos, os roteiros nunca parecem inchados ou enfadonhos. A conexão entre os ambientes é eficiente e a sensação de que a história está dando voltas demais – a famosa “barriga” – é muito menor. Até mesmo os momentos extremamente expositivos ganham contornos divertidos. Diálogos inteligentes e humor melhor lapidado contribuem para essa evolução de The Umbrella Academy.
O elenco também parece muito mais conectado com a história nessa nova temporada. E, com as melhorias já citadas, o trabalho de todos atinge um novo patamar. A desconstrução das impressões deixadas anteriormente é feita de uma forma orgânica, apresentando as novas camadas dos protagonistas nos momentos certos. Explorar o lado humano de seres poderosos é sempre uma decisão acertada. Aqui, é prazeroso acompanhá-los tanto separados como juntos. Harmonia é a palavra que melhor define tudo isso.
No meio de tantos acontecimentos, The Umbrella Academy também encontra espaço para debater questões sociais importantes como racismo e homofobia. Por mais que seja coincidência, a série retorna justamente no momento em que protestos raciais tomam conta dos EUA. Presa num período altamente segregacionista, Alisson (Emmy Raver-Lampman) luta pela vida e pelos direitos dos negros, enquanto enfrenta as dificuldades da época. Do outro lado, Ellen Page usa de sua personagem para tratar de outro preconceito latente. Para quem não sabe, a atriz é uma engajada representante da comunidade LGBTQIA+.
Nos aspectos técnicos, a temporada também se destaca. A ambientação perfeita dos anos 60 é de saltar os olhos, assim como os figurinos com cores vibrantes. As cenas de ação são maiores e os efeitos especiais dão conta do recado. A trilha sonora é basicamente um personagem extra, passeando por nomes como Backstreet Boys, Queen, Billie Eilish e outros.
Muito mais madura, divertida e exótica, The Umbrella Academy finalmente rompe seu casulo e desponta como uma das adaptações mais interessantes de HQ’s do momento, ao lado de Patrulha do Destino. E com um gancho bastante curioso para a nova temporada, não me atrevo a tentar adivinhar até onde a série pode ir. Mas é certo que estarei acompanhando tudo.