Série original da Netflix expõe defeitos da democracia estadunidense, numa sociedade com potencial predatório em sua marginalidade
Tratar de política por si só tende a ser um ato polarizador: quem gosta vai debater e defender suas ideias (e apontar defeitos do outro) a fundo, enquanto quem não se interessa simplesmente não quer ser incomodado com o que essa pessoa julga ser um verdadeiro porre de tão chato. The Politician, série recém-chegada no serviço da Netflix, usa da política para retratar como a sociedade estadunidense (com sua democracia avançada em termos de idade) é capaz de produzir indivíduos frívolos e cruéis.
A trama acompanha Payton (Ben Platt), um jovem rico que desde que se entende por gente quer ser nada menos que o presidente dos Estados Unidos da América. Essa ambição pode ser explicada pelo fato do garoto ter sido adotado quando criança, sendo amparado pelas mãos cuidadosas de Georgina (Gwyneth Paltrow). No entanto, para se lançar na carreira política ele precisará começar por baixo, nas eleições escolares.
Apesar de ter menor importância, a disputa pelo cargo eletivo no colégio é um retrato da competitividade predatória exercida pelos americanos, onde para vencer vale tudo. É um desperdício ver tantos jovens de talento, aplicados em aprender técnicas de comunicação para os debates e estudos sobre diversos temas complicados cederem a uma competição que invoca o que há de mais primitivo e mesquinho em sua existência. Um grande exemplo disso na história é a escolha para vice das duas chapas opositoras, nas quais a escolha é minuciosamente estudada, selecionando assim pessoas negras, mulheres e doentes pelo potencial eleitoral e não pela capacidade de debater os temas importantes e lutar por melhorias.
Vencer o que, se você já é perfeito e possui tudo?
River (David Corenswet) é vítima dessa obsessão: um homem perfeito, rico e liberal, mas que sofre de uma depressão complicada e acaba por tirar a própria vida. Um ambiente saudável liberdade intelectual, sem pressões do tipo “vença na vida” poderia ser um impeditivo para tal atitude extremada. Afinal, como se pode vencer na vida se você já tem tudo? Desse modo, o personagem – outrora amante do nosso protagonista – também se transforma numa espécie de sombra, reaparecendo em momentos-chave da história como uma espécie de guia com um certo grau de morbidez.
O elenco de The Politician possui poucos rostos conhecidos, com exceção da forte figura de Gwyneth Paltrow que participou de muitos filmes da Marvel Studios como Vingadores: Ultimato. Sua personagem possui um arco próprio, mas também ligado ao protagonista (assim como River, mas num grau maior) e sua presença abrilhanta bastante a série.
Vale destacar também Infinity (Zoey Deutch) e Dusty Jackson (Jessica Lange). A primeira vive uma garota doente, aparentemente com câncer mas que está visivelmente sendo explorada pela avó vivida por Lange (mais uma vez num de seus papéis caricatos semelhantes aos de American Horror Story). A interação entre as duas rende bons momentos, que servem para mostrar mais da proposta da série que é mapear a sociedade dos EUA.
Ainda nesse contexto está Astrid, rival de Payton nas eleições. Ela reforça a ideia do personagem pressionado pelos pais a vencer, e que de bons exemplos não tem nada. Porém, ao invés de tentar se machucar, ela vai lidar com toda essa pressão de um modo diferente. É uma forma de dizer que esses jovens não são culpados por essa situação insustentável.
A construção de um cenário carregado de cores e ironia nos diálogos, às vezes beirando o lúdico – aliado com a superficialidade na personalidade de algumas figuras – indicam que The Politician não é um produto para você se identificar, mas sim para avaliar ações e refletir sobre um sistema social estabelecido. É uma dessas séries de temática diferentes que a Netflix nos traz, com bom roteiro e bastante conteúdo a ser absorvido.