Mesmo adotando abordagens diferentes, Rocketman, cinebiografia musical de Elton John, evidencia falhas em produção sobre o Queen
Não se engane com Rocketman. Pegar carona no bom momento do mercado para cinebiografias de músicos – deixado pelo bem-sucedido Bohemian Rhapsody – não quer dizer que o filme sobre a vida de Elton Jonh seja inferior. Muito, mas muito pelo contrário. Rocketman veio ao mundo para mostrar o que é uma cinebiografia de verdade, fazendo o longa do Queen parecer um filme feito por amadores.
Antes de mais nada, nessas horas gosto sempre de enfatizar que cinema é uma experiência muito particular e o que me toca, pode não tocar você. E vice-versa. O que busco aqui é destacar, na minha opinião – e de tantos outros que esperam sempre que um filme atinja o máximo de seu potencial –, o que caracteriza uma grande produção desse gênero.
Taron Egerton, interprete de Elton John, fez uma analogia entre Rocketman e a produção centrada na vida de Freddie Mercury. O ator afirmou que seu filme “é um animal diferente”, destacando o fato de cantar de verdade em todas as suas cenas. Claro que isso não é um pré-requisito para que um filme do gênero seja necessariamente bom ou ruim, mas acrescenta mais uma camada honesta e interessante em sua performance. Vale destacar que os filmes trazem abordagens diferentes, com o longa sobre Elton John quebrando com o formato de cinebiografia tradicional e aproximando-se mais de um musical que nasce do ponto de vista do protagonista. Ainda assim, é inevitável comparar as duas produções, e lamentar por tudo o que o longa de Mercury podia ter apresentado para os fãs.
Já que comecei mencionando o ator Taron Egerton, vamos a ele. Parafraseando o que bem dizem os cartazes promocionais do filme: “Taron Egerton é Elton John”. Na cinebiografia musical, temos mais uma dessas transformações impressionantes de alguém que, em uma atuação precisa, some completamente em cena para dar lugar ao personagem retratado. Particularmente, me surpreendeu bem mais que o Mercury de Rami Malek.
A honestidade na interpretação de Egerton combina ainda com a abordagem que o longa decide seguir. O próprio Elton John, que assina como um dos produtores executivos, destacou em entrevistas que não levou uma “vida para menores” e queria que seu filme fosse o mais honesto possível, mostrando também as partes “censuradas” de sua jornada. Sua dependência por álcool, drogas e sexo, assim como o processo que o levou a assumir a homossexualidade, estão no filme. Tudo mostrado sem rodeios, pegando inclusive uma boa fatia da produção.
Um capítulo à parte no aspecto honestidade pode ser dado à relação entre Elton e Bernie Taupin, compositor de suas letras. Vemos como os dois se conheceram e tornaram-se grandes amigos. E o que é mais bonito de se ver é a pureza dessa amizade, desprovida de qualquer interesse romântico ou sexual, mas apenas do desejo de um pelo bem do outro. Pontos para Jamie Bell (de Billy Elliot), que está excelente em cena, fazendo com que a química entre os dois seja encantadora, sensível e muito natural.
O que também ganha destaque é o cuidado em mostrar um pouco do processo criativo de Elton. Para os fãs é um grande deleite ver, por exemplo, o cantor sentar ao piano com a letra de “Your Song”, recém-escrita por Bernie, e descobrir ali os primeiros acordes da música, que não vem completamente pronta. Como o filme parte do ponto de vista do protagonista, podemos questionar a legitimidade dessa e de outras cenas, que podem soar romantizadas. Ainda assim, o longa foge de armadilhas como, na tentativa de estabelecer conflitos, criar episódios completamente distantes da realidade. Algo que Bohemian fez ao inventar uma separação de Freddie Mercury do Queen ou mesmo trocar datas de acontecimentos expressivos da banda.
Isso nos leva a outra grande qualidade do longa sobre Elton John: sua elaborada montagem. Existe uma costura brilhante feita entre as cenas que estabelece muito bem o ritmo e as relações entre os personagens. Para isso, o roteiro de Lee Hall utiliza como recurso os próprios sucessos do cantor, que se encaixam perfeitamente na história, revelando passagens como o distanciamento dos pais através da canção “I Want Love” ou o isolamento completo de Elton por conta dos vícios em “Rocketman”, música que dá título ao filme.
Seguindo com minha pequena lista de elementos que fazem a produção sobre Elton John pisar na celebrada cinebiografia do Queen – que curiosamente contou com o mesmo diretor Dexter Fletcher para concluir as filmagens, depois do afastamento de Bryan Singer –, não é nenhum exagero afirmar como o roteiro de Rocketman é bem mais inteligente. Como exemplo, repare a forma que se resolve o conflito de Elton com seus pais, que não eram, digamos assim, pessoas muito amorosas. Depois, lembre da constrangedora cena entre Rami “Mercury” Malek e seu pai, um personagem extremamente caricato e raso que, numa “reviravolta mágica”, passa a admirar o filho. A sutileza que vemos em um dos filmes passa longe do outro.
Falando mais sobre os acertados caminhos trilhados pelo energético longa de Elton, dá ainda para colocar na conta as criativas e alucinantes soluções para as cenas musicais. Ao mostrar a primeira grande apresentação de Elton John nos Estados Unidos, somos embalados por “Crocodile Rock” para então vermos a plateia literalmente flutuar. Um recurso que traduz perfeitamente o sentimento de todo o público presente, surpreendido com a deliciosa apresentação do músico. E alguém duvida que uma boa canção tocada no momento certo tira a gente do chão? Para fazer justiça ao filme de Singer, que – vale lembrar – opta por uma abordagem diferente, muitas das cenas que envolvem as canções do Queen também são ótimas. Mérito, em grande parte, para a genialidade do próprio Queen.
Rocketman, ao contrário de seu pretensioso primo pobre Bohemian Rhapsody, é um cometa luminoso e cheio de cores que respeita todos os fãs do astro Elton John. Mais do que isso, é uma jornada musical que respeita os fãs de cinema que sentam na poltrona da sala escura esperando saber verdades sobre o seu ídolo e estabelecer uma conexão com ele que vai muito além de suas músicas.