Pinguim de Colin Farrell Pinguim de Colin Farrell

Pinguim: a máfia quase no divã

Série derivada do universo de The Batman aposta no bom humor e violência para analisar seus personagens

O sucesso da trilogia O Cavaleiro das Trevas, de Christopher Nolan, jogou o Batman num profundo poço de realismo. Caso os espectadores busquem algum tipo de fantasia fora da caixa da verossimilhança, terão que recorrer ao universo das animações. Essa mania de afastar o personagem de suas raízes nos quadrinhos se manteve até mesmo em The Batman, o último live-action do Homem-Morcego. É curioso, portanto, que o primeiro spin-off dessa franquia seja tão diferente do filme de 2022. Pinguim continua a explorar o lado sujo de Gotham e do crime organizado, mas com um senso de humor que parecia distante de qualquer produção desse tipo. É bom assistir algo divertido, sem a preocupação de analisar se tudo na tela seria aplicável à nossa realidade.

Desde a trilha sonora passando por diálogos bem trabalhados, “Pinguim” surpreende ao se mostrar diferente do material promocional, o que, neste caso, é uma ótima notícia. Quem busca a era de ouro das produções sobre mafiosos ao melhor estilo O Poderoso Chefão se depara com o lado mais humano de Sopranos, com um protagonista que necessita urgentemente de algumas sessões de terapia tal qual Tony Soprano, guardadas as devidas proporções. Essa nova perspectiva é o que torna a série cativante logo no primeiro episódio, mesmo sabendo que tudo pode mudar nas próximas semanas.

Após o ataque do Charada (Paul Dano), a parte mais pobre de Gotham ainda tenta se reerguer. No mundo do crime, a morte de Carmine Falcone (vivido aqui por Mark Strong) deixou um vácuo de poder nas ruas e agora todos lutam para ganhar uma fatia da torta. Oz Cobb, o Pinguim (Colin Farrell), movido por sua sede de poder e respeito, comete um ato impensado que mudará sua vida para sempre. Com pouco mais de uma hora de duração, “After Hours” é eficiente em posicionar o espectador no contexto atual desse universo e introduz novos personagens. Oz transita entre os mais diversos níveis sociais da cidade, das mansões aos becos escuros e úmidos, algo que ele se gaba em determinados momentos. E essa é a principal força do deste personagem: enxergar uma oportunidade no caos, embora nem sempre saiba o que fazer com essa chance.

É louvável o esforço da showrunner Lauren LeFranc para não fazer do Pinguim um gênio do crime, afinal esse seria o caminho mais fácil. Pelo contrário, o personagem vive na linha tênue entre a confiança e o medo, fugindo sempre que a situação se complica. Essas nuances o tornam mais carismático aos olhos do espectador, mas longe de ser um mero alívio cômico, como geralmente ocorre nas HQ’s e outras mídias. Preencher lacunas emocionais é crucial, especialmente considerando o tempo de tela reduzido que o Oz teve em “The Batman”.

Além da ótima ambientação, “Pinguim” alterna de forma eficiente entre humor e violência. Um bom exemplo disso é quando Oz mata uma pessoa importante no início do episódio. Em questão de segundos, a ficha cai e ele percebe o tamanho do problema que arrumou para si. Com direito a jogar o cadáver pela escada para evitar o trabalho braçal, acompanhamos sua jornada épica para se livrar de um corpo na cidade mais perigosa e corrupta do mundo. O texto é engrandecido pelas performances do elenco principal. Colin Ferrell domina sua versão do Pinguim com maestria. O ator transparece violência, desejo, medo e até uma certa simpatia através de todas as próteses e o caminhar desengonçado. Existe também o lado filhinho da mamãe, com Deirdre O’Connell interpretando a mãe de Oz que mais parece um demônio que sopra palavras ao pé do ouvido.

Quem também se destaca é Cristin Milioti na pele de Sofia Falcone. Recém-saída de Arkham, a filha do ex-mafioso busca seu lugar ao sol e parece ter algumas pendências pessoais com Oz. Com um olhar penetrante e uma postura aparentemente frágil, Milioti faz de sua personagem uma figura hipnotizante e misteriosa. Em todas as cenas juntos, Sofia tira o Pinguim de sua zona de conforto, e tanto Farrell quanto Milioti se completam em tela. Existe ainda espaço para o jovem Vic Aguilar (Rhenzy Feliz), que passa de alvo para uma espécie de aprendiz de Oz, outra dinâmica interessante que a série irá trabalhar nos próximos episódios.

Sem nunca se embebedar com o realismo excessivo, “Pinguim” sabe como rir de si mesma, algo que produções inspiradas em quadrinhos parecem ter se esquecido há tempos. E quase esqueço de comentar: o Batman não aparece em nenhum momento e nem faz falta. Seria uma pena se ele atrapalhasse o espetáculo de Oz Cobb com seu pragmatismo.

Os novos episódios de Pinguim serão exibidos aos domingos, às 22h, na Max.