Percy Jackson não é um presente de grego

Ser fã de sagas literárias pode ser um pouco frustrante em determinados momentos. Um dia você descobre que a autora de sua série favorita é um lixo de ser humano ou um livro muito aguardado demora demais até ser lançado. E claro, o maior pesadelo de todo leitor: as adaptações. Não é sempre que uma obra consegue uma segunda chance na indústria depois de uma adaptação fracassada. E as vezes isso é até bom. Percy Jackson, a maior criação de Rick Riordan, quase sofreu com esse esquecimento. Mesmo com todo seu apelo infantojuvenil. Porém, assim como um herói grego honrado, eis que as aventuras do filho de Poseidon ganham vida novamente na tela do Disney+. Mas será que a nova série consegue agradar gregos e troianos?

Preciso informar que meu conhecimento sobre os livros é praticamente nulo para evitar maiores decepções por parte dos fãs. Claro que assisti aos famigerados filmes com Logan Lerman, que fizeram Rick Riordan perder o sono por vários anos. Por isso, o autor foi uma figura tão presente nessa nova adaptação, fazendo questão de participar de todas as etapas do desenvolvimento. Não posso tecer muitos comentários sobre fidelidade, mas, com certeza Percy Jackson e os Olimpianos tem muito coração envolvido. A atenção aos detalhes, a escolha dos elementos em cena e as referências contam muito numa adaptação e claramente agradam aos fãs mais apaixonados. Mas não é apenas isso que conta.

Nos dois primeiros episódios da série é o elenco quem mais se destaca. Seja pelo teor da história ou pelo público-alvo é necessário que os personagens sejam cativantes logo de início. Para os fãs, cabem as comparações com o material base, mas para o espectador comum é o que vai definir se ele continuará acompanhando os próximos capítulos. Nesse sentido, Walker Scobell é a escolha perfeita para viver Percy Jackson em tela. O jovem ator equilibra bem a inocência, o medo, o humor e a coragem nos momentos necessários. Precisamos acreditar que uma criança que até então sofria bullying na escola tem agora a missão de salvar o mundo de uma guerra entre deuses – e Walker consegue transmitir essa sensação.

Apesar de aparecer apenas no segundo episódio, Leah Jeffries se destaca como Annabeth Chase. Sua inteligência e experiência funcionam como um contraste interessante ao protagonista. Além da química instantânea entre eles, que é crucial para o futuro da série. Sinto que o Grover de Aryan Simhadri ficou um pouco apagado nesse início, mas seu papel pode crescer nos próximos episódios. Destaque também para Virginia Kull como a mãe de Percy e para Jason Mantzoukas como o fanfarrão deus Dionísio.

No entanto, nem tudo funciona nesse início de jornada. A começar pelos efeitos visuais que deixam a desejar nas cenas de ação envolvendo os monstros. Táticas tradicionais, como cenas no escuro e mostrar as criaturas ao longe, servem para mascarar as falhas, mas elas ainda estão lá. Sinto que esse é um problema da própria Disney, que parece destinar a maior fatia do orçamento para produtos Marvel/Star Wars. Resta saber como os próximos episódios irão trabalhar com isso. A montagem das cenas é um tanto problemática, com cortes em momentos inoportunos. Também existe uma certa correria nos episódios, que já são curtos. Percy precisa o quanto antes sair do mundo humano e ir ao acampamento e o espectador não tem tempo suficiente para digerir tudo. É aquela velha disputa entre agradar o fã ou o público geral.

Isso leva ao principal ponto negativo: a ausência de emoção. A despedida entre Percy e sua mãe, a luta contra o Minotauro e a revelação das origens do protagonista deveriam ser os grandes momentos dos episódios iniciais, e ainda assim falta impacto na tela. Novamente, falo isso como alguém que não leu os livros. Mas essa impressão pode se estender a mais pessoas que não conhecem a obra. Quem sabe, após essa fase de introdução, tenhamos mais momentos para nos conectar aos personagens.

De todo modo, Percy Jackson e os Olimpianos começou de maneira bastante agradável. Existe uma empolgação fascinante na tela e todos os envolvidos parecem genuinamente felizes em participar do projeto. Não que a missão fosse difícil, mas a série consegue superar os filmes mesmo com pouco tempo. Resta saber se estamos diante de uma história de glória ou uma tragédia grega.