Pedágio Pedágio

Pedágio: o filme brasileiro arrebatador que você precisa ver

Segundo longa-metragem na carreira de Carolina Markowicz, “Pedágio” não é um filme que se deve ignorar. Além de ter conquistado o prêmio de melhor filme no Festival de Cinema de Roma, destacou-se como um dos seis pré-candidatos brasileiro ao Oscar de 2024. Sua narrativa é visceral e crua, sem se preocupar em disfarçar verdades feias. Pelo contrário, o filme as expõe de maneira avassaladora, deixando uma marca profunda em nossos corações, proporcionando diversas reflexões em um retrato contundente do Brasil atual.

Aqui, temos Suellen (Maeve Jinkings), uma mãe solo que trabalha no pedágio e possui um único filho, Tiquinho (Kauan Alvarenga), que, para a sua infelicidade é gay. O rapaz está para completar dezoito anos, e, desesperada, a mulher acaba ouvindo de sua melhor amiga sobre um curso de cura gay ofertado por um pastor gringo. Porém, o tal curso é muito caro e acaba se envolvendo com uma gangue para roubar relógios e conseguir pagar, tudo na crença cega de que está fazendo o que é correto para salvar o filho.

Vítima do próprio preconceito, Suellen não é uma vilã, e vemos, ao longo da história contada em Pedágio, que o relacionamento dela e de Tiquinho é cheio de amor e carinho, exceto pelo fato de ela se sentir envergonhada com as coisas que seu filho faz para ganhar dinheiro, como publicar vídeos na internet para vender perfumes, que, para as pessoas ao redor deles, são puro vexame. A narrativa nos apresenta, inicialmente, a realidade de cada personagem, em um primeiro ato muito bem construído, inserindo detalhes que vão ser explorados mais na frente, amarrando direitinho cada questão que joga na tela.

Como pessoa LGBTQ+, com um filho que também faz parte da comunidade, a retratação da trajetória de Tiquinho em Pedágio como alguém que é seguro de si quanto à própria orientação sexual, mas que sofre com a não aceitação de quem mais ama, me doeu bastante. É nu e cru o que passamos muitas vezes, mas sem a necessidade de encaixar violências cruéis e debilitantes para conseguir explorar bem toda a dor de se estar passando da adolescência para a vida adulta, principalmente para um garoto gay de periferia, que tem que ouvir constantemente que precisa ficar ali embaixo e não almejar mais para a sua vida. Com o advento da internet, a ambição dos jovens é muito mais alimentada, e as oportunidades de vida parecem maiores do que o pequeno mundo em que crescemos. Apesar disso, as violências estão ali.

No curso de cura gay, já damos de cara com situações tão absurdas que é inevitável rir, explanando a crença ridícula de que as pessoas podem deixar de ser quem são por meio de instruções patéticas, como fazer figurinhas de genitália com massinha de modelar, para que o “doente” possa se acostumar com o órgão do sexo oposto, que supostamente rejeita. Ministrado por um pastor gringo, esses exageros ficam mais ressaltados. Para nós, que assistimos, parece até engraçado, mas, no fundo, sabemos que todos os dias temos pessoas da comunidade que são obrigadas, consciente ou inconscientemente, a se submeterem a esse tipo de capricho, passando por violências físicas e psicológicas para entrarem em um padrão de heteronormatividade que é ofertado pela nossa sociedade. O que pode levar muitas dessas pessoas ao suicídio, e leva.

Do lado de Suellen, vemos uma mãe que se sente pressionada a ir até as últimas consequências para fazer algo que considera como sendo imperativo para o seu filho, na sua ilusão de querer salvá-lo de algo que, obviamente, não faz o menor sentido. Ela é claramente solitária, que convive com um relacionamento abusivo, perdida sobre a própria vida, voltando-se para a dor filho para que as coisas pareçam fazer sentido. A solidão da mulher é bem explorada aqui, sem precisar anunciar aos quatro ventos e com todas as palavras. Pedágio brinca muito com metáforas visuais e simbolismos para nos contar muitas coisas que precisam ser ditas.

Pedágio é um filme arrebatador, que vai te prender na cadeira em pura angústia, e no final, não vai ter alento. Porque a vida é a vida, e independente das dores, das vitórias, do que for, ela continua.