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Parthenon Místico

O gênero steampunk, mesmo correndo por fora, tem entregado obras interessantes para os leitores brasileiros com lançamentos de grandes nomes como Zé Wellington, A. Z. Cordenonsi e Nikkelen Witter. Desses, o que mais “abraçou a causa” foi Enéias Tavares, criador da saga transmídia Brasiliana Steampunk. Iniciada com A Lição de Anatomia do Temível Dr. Louison (Leya), o grandioso projeto foi ganhando forma com jogos de tabuleiro, quadrinhos e até série live action, disponível na plataforma Prime Video da Amazon. Parthenon Místico, aguardado novo romance do autor ambientado neste universo (agora, sob o elegante trato da editora Darkside Books), revela o ápice da contribuição de Enéias no mercado literário brasileiro.

parthenon místicoTavares raramente pode ser observado como um autor que pensa o óbvio e, como não podia ser diferente, este livro vem para mostrar não a continuação de A Lição de Anatomia (tampouco de O Ateneu, livro de 1888 que dá base para os desmembramentos desta história), mas sim como o ilustre grupo autointitulado foi formado antes. Sendo assim, estamos acompanhando um prelúdio. No entanto, é importante frisar que você não precisa ter lido a outra obra para entender esta, pois a narrativa consegue deixar tudo bem explicado sem a necessidade de didatismo.

A trama se passa numa versão um tanto diferente do Brasil no século XIX, quando a tecnologia a vapor possibilitava carruagens sem cavalo, máquinas que voam, robôs autômatos e outras peripécias históricas retrofuturistas que o steampunk permite em suas narrativas. Acompanhamos alguns personagens já conhecidos, seja em outras escritas de Enéias ou então de obras da literatura brasileira como O Ateneu, de Raul Pompeia; Contos Amazônicos, de Inglês de Souza; Noite na Taverna, de Alvares de Azevedo e Dr. Benignus, de Augusto Emilio Zaluar.

O cenário é Porto Alegre dos Amantes, onde a Ordem Positivista Nacional visa aplicar e ampliar sua influência política e social através de práticas higienistas, retrógradas, homofóbicas, machistas e reacionárias sob um verniz conservador. Para dar combate à ordem temos Bento Alves, Vitória Acauã, Doutor Benignus, Solfieri e todos os outros integrantes do Parthenon Místico.

Igual, mas diferente

A estrutura narrativa se assemelha ao primeiro livro da saga trazendo diários, noitários e registros que expõem a perspectiva dos personagens. É um interessante método que exige muito do escritor no desafio de manter o leitor envolvido, mas sem parecer enfadonho. O desafio se multiplica quando há uma grandiosa cena de batalha em um dos clímax da história, com personagens revisitando localidades e se encontrando dentro do mesmo contexto. Particularmente, senti mais dificuldade em me envolver nesse ponto (pela repetição de acontecimentos), e considero essa a única parte em que o livro soou (um pouco) distante do meu emocional.

Dito isso, Parthenon Místico acerta em cheio ao colocar o grupo como o centro das atenções. Porém, se formos definir uma figura como protagonista, esse alguém é Sergio Pompeu. Tanto pela supracitada base em O Ateneu quanto pelo fato dele ser os olhos que descobrem a equipe e sua dinâmica (enquanto define sua própria história), sem contar que o seu romance com Bento conversa muito bem com as demandas de leitores outrora desconsiderados na representatividade social. Claro que isso seria um tiro no pé se soasse forçado, mas Enéias consegue manter tudo bastante orgânico.

Cada personagem possui seu devido aprofundamento. Louison e Beatriz estão com brilho a mais para quem já teve a oportunidade de ler o primeiro livro, e figuras como o músico Giovanni e o robô Trolho cuidam de jogar o ar da novidade dentre os integrantes do Parthenon. Vitória Acauã e Solfieri (como não podia deixar de ser) são os que carregam o lado místico da conversa, enquanto Benignus é o grande porta-voz do steampunk no livro com suas invenções.

Destaque especial para Nioko Takeda, uma agente espiã da Ordem Positivista (que já havia dado as caras na série A Todo Vapor, do Prime Video) que ganha diversos capítulos com a sua perspectiva da coisa toda. É uma personagem muito interessante que desperta interesse por seus atributos de introspecção, ser estrategista em batalhas, em artes marciais e lealdade. O problema? Estar sofrendo pela pesada alienação da Ordem, grupo ao qual deposita sua confiança no momento. O lado bom é que, através dessa representação do que é danoso quando pensamos num ideal de sociedade, Enéias consegue trabalhar muito bem temas como aceitação, pertencimento, família e outros pontos pertinentes ao mundo que vivemos hoje, no século XXI.

A luxuosa edição da Darkside Books

Graças ao elegante trato da Darkside Books, pode ser que você acabe comprando o livro pela maravilhosa capa, sem contar a edição como um todo. Mapas das principais localidades como a cidade de Porto Alegre dos Amantes e a Ilha do Desencanto estão presentes, assim como uma nota de esclarecimento a respeito da grafia utilizada, que acertadamente respeita todo o conteúdo que serviu de inspiração para este lançamento. Ademais, é preciso destacar o quão maravilhoso é o livro, visualmente falando.

Sempre que acompanho alguma produção de Brasiliana Steampunk, termino a experiência querendo ler ou reler grandes clássicos da literatura. Já disse isso no texto sobre Juca Pirama: Marcado Para Morrer (Jambô) e não faz mal repetir: Enéias Tavares é um dos grandes fomentadores da leitura no Brasil. Todo o seu trabalho em Brasiliana Steampunk carrega uma vasta bagagem de informação para as pessoas conhecerem figuras como Machado de Assis e outros grandes nomes do passado, enquanto trabalha o sentimento do jovem por aventuras, mistérios e dilemas. Não bastasse isso, trabalhos como Fantástico Brasileiro (Arte & Letra) e a coluna Bestiário Criativo ajudam aquele(a) leitor ou leitora que deseja dar um passo além e criar suas próprias histórias.

Mas isso é papo para outro momento.

Por enquanto, Parthenon Místico é uma recomendação que farei para qualquer pessoa ávida por uma boa história.