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Juca Pirama: Marcado Para Morrer, de Enéias Tavares | Crítica

Enéias Tavares traz o poema de Gonçalves Dias para as páginas da Jambô Editora, numa aventura que antecede os eventos de A Todo Vapor

O incansável Enéias Tavares, autor referência quando falamos de histórias steampunk e literatura brasileira, lançou em 2019 o eletrizante romance Juca Pirama: Marcado Para Morrer, pela Jambô Editora.

Essa obra se valida por alguns motivos. Além da habilidade do autor para contar boas histórias (algo iniciado cem A lição de anatomia do temível Dr. Louison, pela Leya, dando início à sua saga transmídia Brasiliana Steampunk), essa é uma oportunidade para adentrarmos no passado e nas motivações de Juca até o ponto onde o encontraremos em A Todo Vapor, websérie live action que será lançada em breve.

juca pirama - marcado para morrerA trama nos leva até a São Paulo dos transeuntes apressados, em 1907, quando um renomado barão do café desaparece, preocupando os figurões da capital. Mais aflitas que eles estão as filhas Cassandra e Cecília Gouvêa, que agora precisam lidar com os compromissos burocráticos deixados pelo pai a respeito da empresa. Com a segurança das duas em risco, Juca Pirama é contratado para garantir que nada aconteça com elas, mas o que vamos descobrir é que ninguém está livre de suspeita nesse cenário que envolve, dentre diversas bizarrices, uma antiga divindade arcana.

O maior desafio de Enéias é tornar Marcado Para Morrer um produto que se sustente independente da sua ligação com algo mais grandioso, que no caso é a websérie supracitada. Nesse sentido, podemos dizer que a obra se sai bem e consegue oferecer ao leitor uma aventura fechada e com certo grau de emoção, digna de reviravoltas que prendem a atenção, mesmo que algumas delas não sejam tão surpreendentes assim. Mas qualquer previsibilidade é compensada com o bom trabalho de desenvolvimento da trama, que traz rituais maçônicos, a pobreza paulistana, um grande mistério e personagens interessantes.

Uma cidade de transeuntes apressados

A ambientação é um grande diferencial e mostra grande trabalho de pesquisa por parte do autor, que nos localiza pelos bairros de São Paulo uma forma muito agradável seja numa fuga ou mesmo num despretensioso passeio pelo Mercado Velho. Características próprias da cidade já são retratadas na época em que se passa a história (1907) e que continuam até hoje como a pressa das pessoas, a diferença social acentuada e sua vasta extensão geográfica.

Dos personagens secundários, as irmãs Cassandra e Cecília possuem grande destaque e profundidade na trama. Ambas carregam sua carga de mistério que aos poucos é desvendada. Uma faz o papel de mulher de negócios, um desafio maior na época onde a sociedade era ainda mais machista. Além disso, ela acaba formando uma interessante dupla com o protagonista num relacionamento que vai testar os limites da confiança de cada um, com boa dose de sedução. Cecília, por sua vez, é colocada desde o começo como uma figura frágil, mas aos poucos sua participação vai se tornando decisiva na saga do personagem principal.

Estrela da obra, Juca Pirama traz muita virtude consigo. Seus atributos são dignos de um verdadeiro herói, mas não um qualquer, pois sua vivência como garoto pobre (e consequentemente lidando com a miséria alheia) lhe dá uma percepção ímpar de como se dá a dinâmica social para os menos abonados. No entanto, não vemos um Juca totalmente amadurecido aqui, e ele ainda precisará lidar com as consequências de atos desmedidos. Isso favorece para que o livro mostre sua evolução como personagem até o encerramento: um homem astuto, mas ao mesmo tempo leal, sedutor e destemido.

É através dele que presenciamos grandes cenas de ação, e o autor não economiza nas opções: temos brigas de todos os tipos, além de magia (invocando ainda mais do passado do personagem) e aparatos explosivos.

A edição da Jambô possui um acabamento muito caprichado, com linda capa de Henrique DLD. Ao final da aventura, temos uma oportuna consideração sobre Gonçalves Dias e sua trajetória devidamente contextualizada, nos preparando assim para um último presente: o poema “I-Juca-Pirama” na íntegra. Isso acaba tornando essa edição ainda mais especial. No prefácio, um revelador texto de Felipe Reis, produtor e ator que dá vida ao Juca de A Todo Vapor, com detalhes de como conheceu Enéias Tavares e desenvolveram esse promissor projeto.

A contribuição de Enéias Tavares para a leitura no Brasil é algo elogiável. Depois de criar um universo transmídia com elementos de steampunk lançando mão de personagens memoráveis da literatura brasileira, o autor acerta novamente com um agradável folhetim.

E pra você que conferiu Marcado Para Morrer e quer curtir mais de Juca Pirama e A Todo Vapor, antes mesmo do lançamento da série, você pode ler a incrível webcomic lançada exclusivamente aqui no CosmoNerd, com roteiro do próprio Enéias e ilustração de Fred Rubim.