Criado pelo célebre escritor H.G. Wells, O Homem Invisível é um dos clássicos da literatura e já foi retratado no cinema algumas vezes. O personagem ganhou o seu primeiro filme em 1933, e logo tivemos outras adaptações mais antigas, depois disso, damos um salto no tempo e o encontramos em O Homem Sem Sombra (Hollow Man, Paul Verhoeven, 2000) e A Liga Extraordinária (The League of Extraordinary Gentlemen, Stephen Norrington, 2003). Sempre apresentando um ar fantasioso, ficcional e um tanto psicótico, o personagem, nos cinemas, sofreu modificações convenientes com o que o autor do roteiro queria contar e nos apresentar.
Já em O Homem Invisível (The Invisible Man, 2020), com direção e roteiro por Leigh Whannell, rompe-se, em partes, com essa tradição e acaba que temos um filme que é impressionante, com uma temática pesada e atual.
Uma proposta aparentemente simples e promissora, a trama acompanha Cecilia, interpretada pela excelente Elizabeth Moss, está cansada dos abusos sofridos em seu relacionamento com Adrian, um gênio milionário da física, vivido por Oliver Jackson-Cohen, e tenta fugir do seu companheiro. Ao receber a notícia que ele se suicidou e deixou sua fortuna para ela, Cecilia acredita que tudo não passa de uma farsa.
Whannel, de Sobrenatural (2010) e Upgrade (2018), soube trabalhar temas atuais e importantes, como relacionamentos abusivos e stalker. Junto de toda uma tensão que se encontra em filmes do gênero de suspense, o caso de Cecilia é perturbadora, pois agora, além das agressões físicas e mentais, o seu abusador ainda pode se tornar invisível [literalmente] ?
Descredibilização da vítima também é algo recorrente, tanto na vida real como no filme. Cecilia, em diversas vezes, tem sua saúde mental posta a prova – quando surgem dúvidas se tudo é verossímil ou se é uma narrativa de sua mente, exausta pelos anos de abuso e violência.
A intenção é que o espectador, sabendo como a personagem está mentalmente exausta, se questione com tudo que está sendo apresentado em tela. E O Homem Invisível até nos dá o benefício da dúvida sobre isso. Será que é tudo loucura? – e isso não nos difere dos demais personagens da trama, que por muitas vezes descredibilizam as palavras da Cecilia.
A condução da história é bem montada, dando a sensação de apreensão a todo instante. Com a morte de Adrian (não é spoiler, pois está presente nos trailers lançados), Cecilia passa a ser responsabilizada e desacreditada por ser vítima e estar em uma condição psicológica totalmente vulnerável. Esse é um ponto que bate com a nossa realidade. No entanto, diferentemente de outros filmes que já retrataram o universo de H.G Wells, temos algo mais palpável, mais lógico em relação ao teor por trás da invisibilidade.
Whannel trabalha com um jogo de câmeras que reflete a ansiedade do ambiente e da personagem. A filmagem em ambientes pequenos, muitas vezes, passeando por locais em que não há ninguém, deixa um ar de dúvida, ajuda a formar a tensão em relação ao desconhecido e imprevisível personagem criado pelo diretor. A trilha sonora – ou a falta dela – é uma forte aliada ao projeto como um todo.
O Homem Invisível é um thriller psicológico bem realizado, com narrativas lógicas e angustiantes. Trabalha em tela questões que fazem parte de nossa sociedade e que são muito importantes de serem debatidas e refletidas, como é o caso principal: relações tóxicas.