A nostalgia é uma benção e ao mesmo tempo uma maldição. É por conta dela que muitas obras que marcam gerações costumam surgir, baseadas na saudade e nos elementos funcionais de outras épocas. Por outro lado, é justamente ela que impede o público de apreciar algo novo em sua totalidade. Encontrar o equilíbrio entre esses dois aspectos não é algo fácil e costuma punir aqueles que não conseguem. No entanto, quando essa mistura ocorre, algo mágico nasce. É possível afirmar que Mestres do Universo: Salvando Eternia é um bom produto nostálgico, mas vai além e entrega uma ótima revitalização de conceitos.
Comandada por Kevin Smith, essa nova versão da animação oitentista criada por Lou Scheimer resgata elementos que ficaram marcados no coração de uma legião de fãs. Porém, não se contenta apenas em reciclar essas nuances, dando aos personagens e o universo em que estão inseridos muito mais profundidade. E ainda que a diferença temporal não deixe a disputa justa, inegavelmente Mestres do Universo: Salvando Eternia é melhor que He-Man e os Mestres do Universo. Não apenas pela qualidade da animação, mas por efetivamente trabalhar a mitologia da franquia para além do propósito de vender brinquedos.
Após um duro confronto entre He-Man (Chris Wood) e Esqueleto (Mark Hamill), a Espada do Poder é dividida em duas lâminas distintas. Nesse processo, toda a magia de Eternia acaba sumindo e o universo entra em perigo. Em uma inesperada união entre as forças do Castelo de Grayskull e da Montanha da Serpente, Teela (Sarah Michelle Gellar) lidera uma equipe formada por nomes famosos da animação, como Maligna (Lena Headey), Roboto (Justin Long) e Gorpo (Griffin Newman) na tentativa de salvar o mundo em que vivem. Partindo desse ponto, o roteiro estabelece uma jornada de autodescoberta para os personagens à medida em que avançam na missão principal.
Nessa altura do campeonato, você já deve saber da polêmica envolvendo o protagonismo de Mestres do Universo: Salvando Eternia. Apesar do marketing da Netflix apontar para a figura do He-Man, é Teela quem realmente comanda a história aqui. Kevin Smith tem talento mais do que suficiente para entregar essa mudança de forma natural e desenvolvê-la sem cair em armadilhas narrativas. É através do olhar dela que aprendemos sobre a nova realidade desse mundo e notamos o amadurecimento da abordagem. Tudo isso sem abandonar alguns detalhes que aquecem o coração dos fãs de longa data. Vale lembrar que essa não é a primeira revitalização da franquia, já que a nova animação de She-Ra foi pioneira em mudar a forma como conhecemos essas histórias.
A mudança dos personagens está além da questão estética, ainda que a animação seja muito bonita. A passagem de tempo entre os episódios torna evidente a personalidade de cada um deles, o que ajuda na hora de contar a história e retira o unidimensionalismo característico da obra. Sem entrar na questão de spoilers, basta analisar a forma como Maligna lida com seus anos ao lado do Esqueleto ou como Gorpo encara seus fracassos em diversas aventuras, o que antigamente era visto como um elemento cômico. Novamente, Kevin Smith merece créditos por cuidar tão bem dessa parte crucial para a obra. E apesar de tudo isso, ainda é divertido reconhecer cada um dos rostos que surgem na tela.
O trabalho de animação do estúdio Powerhouse é ótimo, lembrando muito o nível de qualidade apresentado em Castlevania. Sem isso, muitas das ideias para a série não teriam funcionado. Vale destacar também o trabalho de dublagem, tanto original quanto o brasileiro, com grandes nomes emprestando seus talentos para a construção dessa nova versão. Um aspecto que joga contra essa primeira parte é a quantidade de episódios, dando um ar de introdução estendida. Mas o gancho final funciona para criar expectativas para a segunda temporada.
Em termos gerais, Mestres do Universo: Salvando Eternia é um ótimo começo para essa nova incursão ao mundo dos brinquedos da Mattel, respeitando os elementos certos e atualizando aquilo que precisava de uma nova roupagem. Acertando em todas as decisões criativas, Kevin Smith mostra a forma correta de expressar o amor pelas coisas do passado.