O sucesso é uma faca de dois gumes, especialmente na cultura pop. Quando se conquista uma enorme audiência, o produto torna-se um fenômeno instantâneo. Porém, agora é necessário nutrir as expectativas de uma legião de fãs ávidos por novas aventuras de qualidade. Encontrar tal equilíbrio é complicado, ainda mais quando isso não faz parte dos planos. Após seu lançamento, Lupin foi uma das séries mais vistas da Netflix ao redor do mundo. Isso fez da Parte 2 um dos eventos mais aguardados da plataforma. Quando sobem os créditos do último episódio, o resultado é bastante satisfatório. Mesmo com alguns deslizes.
A segunda parte continua os eventos da temporada anterior, com Assane Diop (Omar Sy) lutando para resgatar seu filho Raoul (Etan Simon) das mãos do capanga contratado por Pellegrini (Hervé Pierre). As cenas de perseguição do capítulo dão o tom do que o espectador irá encontrar no restante dos episódios: muita intensidade. Para resolver suas pendências narrativas, Lupin abre mão do charme e da sutileza para investir em mais ação e momentos impactantes. Assane percebeu que sua vingança está refletindo nas vidas das pessoas que ama e precisa dar um jeito de concretizar seu plano antes que seja tarde demais. Essa mudança de abordagem deve agradar quem procura por mais emoção, mas é inegável o quanto ela afeta alguns pontos fortes da série.
As conveniências de roteiro surgem aos montes no decorrer dos episódios, o que não é uma novidade em Lupin. No entanto, elas cobram muito mais da suspensão de descrença do espectador. Esse incômodo com algo que outrora era divertido tem ligação com a mudança de tom que citei no parágrafo anterior. Os criadores George Kay e François Uzan levam a trama para um lado mais dramático, ao mesmo tempo que tentam manter o ar descompromissado da primeira parte. Essa busca por realismo parece deslocada quando encaramos as rocambolescas fugas de Assane e seus planos sempre surpreendentes. A ideia de um protagonista vulnerável é interessante, mas a execução não foi das melhores.
Deixando os problemas de lado, a segunda parte de Lupin também possui várias qualidades. A forma como as ruas de Paris são utilizadas pela série fazem dela uma personagem importante, como se a Cidade Luz e Assane fossem almas gêmeas que se ajudam nos momentos de necessidade. Aliás, o passeio pelos cartões postais da capital francesa são de encher os olhos. Os comentários sociais continuam presentes e fazem parte da construção do protagonista e da atmosfera que o cerca. O contraste entre eventos luxuosos e becos escuros compõe o cenário perfeito para os feitos do Ladrão de Casaca. Além de render ótimas cenas de ação, é claro.
É inegável que Lupin não teria o mesmo sucesso sem o talento e carisma de Omar Sy. Ele é o coração da série e incorpora com perfeição a proposta de um criminoso gentil. O ator engradece até mesmo os personagens secundários, que parecem mais interessantes ao seu lado. A verdadeira diversão da atração está na forma como ele age durante os esquemas e as situações adversas. Existe uma satisfação genuína em acompanhar seus êxitos. Os episódios finais são entretenimento puro, entregando o que fez da série um sucesso instantâneo.
Apesar de não concordar com algumas decisões criativas, Lupin encerra sua segunda parte de uma forma honesta. A criação máxima do autor Maurice Leblanc é atualizada para nossa realidade, repleta de diversão e momentos marcantes. Saem a cartola e os sapatos sociais e entram a boina e o Air Jordan. Com uma terceira parte já confirmada, aguardo ansioso pelas próximas aventuras de Assane Diop.