Liga da Justiça de Zack Snyder Liga da Justiça de Zack Snyder

Liga da Justiça Snyder Cut: era melhor ter visto o filme do Pelé

Desde o lançamento do primeiro Liga da Justiça (2017) que se fala desse tal de Snyder Cut. Com a saída do diretor por causas pessoais (e muito válidas), Joss Whedon tomou o seu lugar e basicamente reformulou o filme, tornando-o algo que não agradou os fãs de Zack Snyder e nem ao próprio diretor, que havia sonhado com um longa totalmente diferente – ou assim ele dizia. Foram anos de pedidos na internet com a tag #releasesnydercut (liberem a versão do Snyder), como se ele tivesse gravado todas as cenas, mas elas foram cortadas e agora todos quisessem ver como era a visão desde o princípio.

Enganou-se quem achou que ele já tinha tudo gravado, e enganou-se mais ainda quem achou que a história teria um rumo melhor. Snyder é muito bom em seguir histórias prontas (300 de Esparta ou Watchmen), mas sua própria versão é bem problemática…

O texto abaixo contém comentários com spoilers. Então, veja o filme (ou não) e depois volte.

4 horas de slow motion

Que Zazkynho AMA uma cena em câmera lenta, já sabemos. Aqui ele usa e abusa desse recurso, até mesmo em cenas em que não faz o menor sentido ou necessidade, ou, até mesmo em cenas em que é interessante o seu uso, ele estica até não poder mais. Por exemplo, já sabemos que, no início, Barry vai se encontrar com Iris e salvá-la de uma batida. Essa cena demora muito, mas muuuuuuito mais do que precisava. Ele mexe no cabelo dela, pega uma salsicha no ar, cruza os bracinhos dela, só faltou dançar uma polca, ir lanchar no BK e voltar para terminar de salvar a moça, de tão demorado que foi. E esse tipo de “esticamento” acontece várias vezes.

Encheção de linguiça ou apenas tesão por cenas em câmera lenta? Nunca saberemos.

Inconsistência dos personagens

Comecemos pelo Batman, nosso querido homem-morcego, o temido ser das trevas, super-inteligente e o que for… Na verdade, quem faz todo esse papel é o, RUFEM OS TAMBORES, Alfred. O Bruce Wayne só serve para ser parte da seita criada por Snyder para cultuar o Super-Homem. Nunca vi tanto o Bruce falar de fé. E o próprio alter ego, Batman, só aparece muito depois do filme ter começado, e sua principal função é soltar frases de efeito de tiozão. Sabe quando você chama seu tio para trocar a lâmpada de casa e ele solta “Viu? Eu vim para dar a luz?“. Pois é, esse é o Batman. Ele é o tio rico com brinquedos maneiros, que solta um monte de baboseira e seu principal plano é: precisamos ressuscitar o Superman, sem ele, nada seremos, ignorando 100% o fato de que no time dele tem a porra de uma semideusa que derrotou, em sua primeira missão, um fucking deus, um ciborgue que pode fazer praticamente tudo (chegaremos lá), um cara tão rápido que pode ir mais rápido do que a luz e o herdeiro dos 7 mares. Foda-se eles. Super-Homem é que é necessário nessa merda. Amém!

Falando em Ciborgue, muitas pessoas reclamaram da falta de construção do personagem na primeira versão. Achei justo, mas o filme também não tinha muito tempo. Mas tempo não é algo com que Snyder se preocupa, então ele fez questão de incluir cenas em que o jovem Victor já tem alguma relação com tecnologia, é um rapaz bom, um excelente esportista, uma pessoa maravilhosa, no geral.

Porém, as cenas acrescentadas para apresentar o personagem são irrelevantes – porque não apresentam direito quem é Victor, apenas “punhetam” os poderes dele, demonstrando o quão poderoso ele é e depois enfiam um plot meio “médico e o monstro”, em que ele se acha um monstro e, sem construção alguma de personagem, Victor simplesmente supera o fato de ser um ciborgue/monstro para que uma das cenas finais aconteça. Falando nisso, preciso comentar: alguém mais achou a morte do pai dele inútil? Ele tinha um controle remoto, ele não precisava estar ali dentro para ligar a máquina. Mas, já sabemos que Snyder ama a morte inútil de um pai (vide Homem de Aço, em que o pai de Clark Kent morre apenas porque sim). Ciborgue deveria ser um personagem incrível, mas se torna apenas mais um mal construído nas mãos do diretor errado.

O Flash, na verdade, não mudou muito. Tiraram algumas piadas ofensivas, ele continua um rapaz bobão, sem trejeito social, aprendendo a usar os poderes e servindo de alívio cômico em vários momentos. E ele é um dos únicos que tem um arco consistente, o que justifica o longa solo dele. Inclusive, dá margem para o Ponto de Ignição, então eu me sinto interessada nesse próximo filme.

A Mulher-Maravilha, pra mim, chegaram a piorar. Na primeira versão, já haviam diminuído ela para enaltecer o Superman. E em Liga da Justiça Snyder Cut, fazem isso ainda com mais força. De onde diabos o Superman teria cacife para resistir ao laço de Héstia?! É o laço da porra de uma deusa! E a Diana é uma amazona, uma guerreira treinada, e, quando vai lutar com ele, parece uma criança que não sabe o que fazer. Ele dando uma cabeçada e derrubando ela no chão, pra mim, é ridícula. Novamente, Snyder ignora 100% os outros filmes do universo criado para enaltecer o seu deus: Super-Homem. Amém.

Tiraram algumas das cenas misóginas da produção, ponto para Snyder. Mas ainda mantém a Diana como sendo apenas mais uma e paquerando, obviamente, com o Bruce Wayne, ao qual eu shippo, mas eu to cansada de ver plots em que ela só serve para viver em função de algum cara. E ela cita, novamente, no filme, que ainda não superou Steve Trevor e eu fui obrigada a gritar para a tela “supera isso, mulher!”. E, se você pensar racionalmente, ela sozinha teria dado conta do Lobo da Estepe. Mas, para variar, o roteiro (Zack Snyder) não queria isso.

Aquaman foi praticamente deixado de lado. Suas cenas diminuíram, aumentando apenas os momentos bizarros, como as mulheres cantando e aquela estranha cheirando as suas roupas (?). Que porra foi aquela? Além disso, ignoram o filme solo do Aquaman – como a cena em que Mera conta que seus pais morreram, mas no longa solo do super-herói o pai dela apareceu? E odiei ela ter apanhado tanto do Lobo da Estepe, pois Mera é uma feiticeira poderosíssima e, novamente, diminuíram uma personagem para enaltecer a força física do Aquaman – que leva uma peia do vilão.

E alguém mais notou como essas caixas são mal guardadas? Qual o problema desse povo?! Ao invés de esconder, vamos deixar nesse templo, à vista de todos e deixar uns guardas super fracos para guardar esse artefato poderosíssimo que pode destruir o nosso mundo. Quem escreve esses roteiros, pelo amor da deusa?!

A cena das amazonas… Bem, na versão anterior, era simplesmente incrível. Snyder conseguiu, com sucesso, destruir isso. Hipólita até mesmo tem uma cena em que precisa da validação de uma personagem coadjuvante para continuar o plano (ouvi dizer que é para mostrar a conexão dela com as amazonas). Ela é a rainha, é óbvio que sabe o que fazer, porque diabos uma amazona irrelevante teria que dar a ela seu aval?  Tentaram dar um trom dramático ao sacrifício das Amazonas, mas, boa parte disso parecia apenas um plano de última hora e que elas morreram em vão. DC, quando você vai aprender a fazer personagens femininas?!

E chegamos ao próprio Super-Homem. Qual a relevância dele no filme? Apenas ser o deus que o Snyder tanto adora, que o Bruce Wayne passou a adorar e começou a convencer os outros a entrar nessa igreja. Sobre o tão falado uniforme preto, não há explicação alguma, além de, como falou meu colega Emilson: “Achei legal o Superman passeando pelas roupas dele como a Barbie faz no closet dela. Vou voltar lacrando de preto“.

Ao menos Snyder teve a decência de consertar a cagada que tinham feito com a Lois Lane, de ir trabalhar só com animaizinhos fofos. Ele deu a ela o luto merecido, e, depois, a força necessária para tentar se reerguer. Dois pontos pra Zack Snyder. Falando nessa cena, temos a “surpresa” de esbarrar no Caçador de Marte que, a princípio, me fez vibrar loucamente. Mas, depois, ele só aparece de novo para se apresentar ao Bruce Wayne e dizer “Olha, resolvi ajudar vocês. Bjs de luz.” Depois de toda a putaria ter acabado! AMADOH?! Ou seja, só mais um acréscimo do Snyder para agradar fãs e nos enganar, nos fazer acreditar que um personagem tão importante nos quadrinhos teria relevância no filme. Mas acho que ele pode ter sentido que o Caçador apagaria o brilho do Superman, então tirou ele de cena. É só uma teoria, você pode me dizer a sua.

Os vilões

O Lobo da Estepe, de acordo com algum de meus colegas, está mais ameaçador. Eu discordo. Não consegui sentir ameaça vindo dele, porque não saía da minha cabeça que a maior parte dos personagens com quem ele estava lutando são poderosos o suficiente para dar uma coça nele. E ele constantemente se humilhava para o DeSaad. Mas o roteiro pedia esse perigo, então ele foi feito.

O plot inteiro dos vilões, Lobo da Estepe, Darkseid e DeSaad, não faz muito sentido. Tentaram dar personalidade ameaçadora a eles, mas, exceto o Lobo, o resto está bem genérico. Aliás, como que a Terra guarda as Caixas Maternas por todo esse tempo e eles nunca tinham desconfiado que estava ali, sendo que o Darkseid esteve na Terra quando elas foram separadas? Por que demoraram tanto para achar? E que merda é aquela que do nada tem a ver com Antivida e um novo objetivo para o Darkseid?!

Ele esteve, literalmente, no planeta Terra. Seria ele uma pessoa com a memória fraca? Ou será que não voltou por ter ficado com Estresse Pós-traumático depois do Thor… digo, o Ares ter dado uma machadada bem dada nele? Fica o mistério.

Também mantiveram a cena da luta milenar, em que aparece um Lanterna Verde. UM. Conhecendo o que eu sei sobre as tropas, aquele defensor teria pedido por ajuda e outros Lanternas teriam aparecido, afinal, era uma ameaça enorme, o próprio Darkseid, que se gaba por ter destruído milhares de mundos! E quando a ameaça volta, não tinha um Lanterna Verde responsável por aquele quadrante?! Àquela altura, no mínimo teríamos Hal Jordan, mas, novamente, tenho a teoria de que Snyder não queria roubar o spotlight do Super-Homem com outro personagem que é extremamente poderoso.

Para mim, não havia senso de urgência ou de perigo. Não senti isso no filme. Meus colegas disseram que sentiram, então talvez o problema esteja comigo, nunca se sabe.

A narrativa

Há uma consistência básica. Começo, meio, clímax e fim. Liga da Justiça Snyder Cut é bem expositivo em relação ao que ele quer passar. Tudo o que ele quiser que você saiba, ele vai contar por a+ b, para não deixar nenhuma interpretação errada. Ele é sobre isso. Deveria ser sobre a união dos super-heróis (é dito mais de uma vez “conseguiremos isso juntos”), mas, na verdade, é sobre o Super-Homem (também é dito mais de uma vez que eles PRECISAM do Clark ou tá tudo acabado).

Snyder conseguiu amarrar algumas pontas que Joss Whedon tinha deixado soltas e eram estúpidas, como, na hora em que o Clark acorda e vai lutar contra a equipe e todo mundo deixa a caixa materna largada. Essa cena foi corrigida, mais um ponto para Snyder.

Infelizmente, ele acrescentou inúmeras cenas desnecessárias, diálogos inúteis ou expositivos demais, além de  momentos que deveriam ser de extrema urgência e ele falha em passar isso. As cenas de luta, 100% CGI, até que estão okay e dá para apreciar. Mas, de novo, odeio o fato de ele rebaixar os outros para aumentar o Super-Homem, que, literalmente, tem uma cena no espaço, com o sol ao fundo, com os braços abertos e só faltou a legenda: “Mas, quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido debaixo da Lei, a fim de redimir os que estavam sob a Lei, para que recebêssemos a adoção de filhos” (Gálatas, 4:4-5).

O roteiro conseguiu segurar as pontas, mantendo a narrativa sempre andando, mas nem sempre com cenas que fazem sentido ou são consistentes. No geral, me deu a sensação de “não sabíamos o que fazer, então fizemos isso”, de improvisação, encheção de linguiça total. Se cortassem as cenas inúteis, como a exposição do gravador, ou o Batman andando por vários minutos na neve, ou Barry Allen demorando uma hora pra abrir um cadeado, as inúmeras vezes em que falam sobre a construção do avião do Batman e por aí vai, o filme seria menor e teria mais conteúdo. Em diversos momentos você se dispersa do que está acontecendo, porque demora demais, é chato e não tem relevância!

Difícil trabalhar assim.

Essse Liga da Justiça vale a pena?

Se você ama Zack Snyder, você vai amar Liga da Justiça Snyder Cut, porque você provavelmente ama tudo o que ele faz, inclusive a atrocidade que chamam de BvS.

Se você é um ser humano normal, provavelmente vai passar mais da metade do tempo entediado e a outra até que se divertindo um pouco, pois tem sim cenas boas de ação. Inclusive, tem uma cena final que é de encher os olhos. Outro ponto para Snyder. 

A química entre os personagens não é das melhores, continuamos com um Super-Homem ranzinza, o teor cômico é horrível (e eu ri na primeira temporada de The Office e quem assistiu sabe do que eu to falando), as cenas de ação tão okay, e você só precisa abrir sua bíblia da igreja pentecostal do Superman e ir na fé. FÉ, ALFRED! FÉ!

Liga da Justiça Snyder Cut já está disponível no Brasil em diversas plataformas digitais, com um preço nada chamativo. Mas, ao menos, colocaram dublagem em português brasileiro.