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Lebre da Madrugada, de Arthur Malvavisco

É o encerramento da década. Todos esperam um desastre: em Solária, as décadas normalmente terminam em um Eclipse, um terrível evento mágico que pode destruir cidades.

Na fortaleza de Rosseles, onde uma grande muralha marca a fronteira entre reinos civilizados e os ermos selvagens, Andras tem preocupações mais imediatas: ele é um médico e cientista vivendo em uma cidade controlada pela Vigília, a mesma organização religiosa que o excomungou por exumar cadáveres para seus estudos.

Como se não bastasse, ele ainda tem de guardar segredo sobre a canção da floresta, uma sinfonia que o chama para as sombras além das muralhas e ameaça roubar sua sanidade. Quando um cavaleiro ferido desaba à sua porta, Andras se vê na companhia de um homem estranho: Aeselir Hrád, um guerreiro de outro mundo, um fugitivo perigoso e de passado violento, mas que oferece ajuda ao médico no momento em que a Vigília ameaça sua vida. Feral e de temperamento explosivo, Aeselir parece fugir tanto de seus inimigos quanto de si mesmo.

Juntos, eles terão de sobreviver em ermos devastados por guerras e acidentes mágicos. Terão de lutar para escapar aos seus inimigos, mas também para compreender as diferenças entre si, seus papéis nos planos da Vigília e nas vidas um do outro.

Sobre a história de Lebre da Madrugada

Utilizando-se de um dos meus tropos favoritos, Arthur Malvavisco nos entrega, com Lebre da Madrugada, uma fantasia muito bem construída, com personagens carismáticos que nos conquistam rapidamente e até mesmo nos fazem questionar o que é certo ou errado, para depois passarmos sim um pano desgraçado para qualquer erro que cometam – principalmente relacionado a Aeselir, declaradamente um personagem violento com um passado traumático, cheio de sangue e tripas.

A história de Lebre da Madrugada começa de forma concisa, variando os capítulos entre presente e passado com maestria, sem que nos confunda, usando de datas para que fiquemos atentos ao que é de “agora” e o que não é, construindo e conectando as peças, os fatos, para irmos entendendo aos poucos não somente o universo em que estamos inseridos, mas também a trama, a rede intrincada de tramóias e ações que vão ocorrendo ao longo da narrativa.

Andras é um excelente protagonista, principalmente porque, apesar de ser uma boa pessoa, não é um personagem com ideias maniqueístas, nem bonzinho demais. Ele é, inclusive, um pequeno desastre, um cientista com uma fome de conhecimento tão grande que o faz constantemente desafiar as regras e as leis do mundo em que vive, sendo uma pária para o povo por conta disso. Inclusive, o coitado é chamado de necromante, pois como médico e cientista, ele se mete a investigar corpos de defuntos, o que é uma heresia para a igreja e o credo em que é obrigado a viver. Depois que inicia a viagem com Aeselir para sobreviver, o personagem entrega diversas facetas, e é impossível não torcer por ele.

Por outro lado, Aeselir é declaradamente um cara que não é bom, o que é ótimo. Ele não finge ser bonzinho, e constantemente lembra Andras que, apesar do rapaz vê-lo com bons olhos, ele não é uma boa pessoa, já tendo assassinado muita gente, prosseguindo com uma estranha maldição que lhe dá uma sede por derramar sangue quase incontrolável. Apesar disso, ele também não é preto e branco, formando boas camadas de cinza em suas personalidade e ações. Aeselir traz complexidade, segredos, tensão. Um bom par para o nosso menino Andras, principalmente ao ajudá-lo a sobreviver.

A interação do casal é ouro, e cada pedaço novo que conhecemos da história nos enche de ansiedade para saber o que vai acontecer em seguida. Só larguei o livro quando acabei, de tão envolvente. Arthur escreve muito bem, numa escrita gostosa, macia e interessante, que nos deixa interessados a cada instante. Diferente de enredos repetitivos ao qual estamos acostumados, Lebre da Madrugada é um respiro muito bem-vindo, com interações mais naturais e diálogos bem construídos. O desenvolvimento dos personagens nos parece espontâneo, que vai acontecendo à medida em que as situações vão se apresentando, com muito amadurecimento de Andras e esperança para Aeselir, que pela primeira vez em muito tempo encontrou alguém que o aceita completamente. Apenas um dos meus casais favoritos!

Claro, como livro de fantasia, o foco em Lebre da Madrugada não é simplesmente a formação de um excelente casal, e sim a trama que nos é apresentada aos poucos. Aliás, a construção de cada personagem, secundário ou não, é fantástica. Eu sinceramente adoro Loreta e quero ver muito mais dela na continuação da história. Voltando ao que interessa, no começo podemos ficar um pouco confusos sobre o que está acontecendo, afinal, caímos de paraquedas nas presepadas iniciais de Andras, que mal aparece e já se mete em confusão, mas logo somos anunciados de forma competente aos problemas que deverão ir se desenrolado ao longo de cada página, com bezerros bizarros, criaturas sobrenaturais, pessoas poderosas e sem escrúpulos, uma religião doentia que prende as pessoas.

Arthur Malvavisco promete e cumpre, deixando, ao final, um gancho que me deixou sedenta pela continuação (não que precisasse).

Sobre o livro e o autor

Lançado pela Corvus (editora nordestina de ficção especulativa), Lebre da Madrugada possui uma capa incrível feita pela artista Cecília Reis, em uma edição muito bem diagramada, com uma qualidade muito acima da média. Vale a pena cada centavo gasto, e, no site da editora, o preço está em conta – se considerarmos a qualidade do material e da história. Apesar de ser uma produção “tradicional”, a Corvus é um selo independente, nacional, que não é grande e não possui os recursos das editoras grandonas. E apesar disso tudo, se empenha em trazer sempre do bom e do melhor para os leitores, acertando em cheio nas edições! Então não reclame do preço!!

Arthur Malvavisco é um jovem de Campo Grande (MS), cuja mãe também é escritora. Acadêmico de biologia, estagiou com répteis e educação ambiental, trazendo um pouco de tudo o que sabe para dentro de suas obras, explorando o tema humano versus natureza, relacionando-o ao fascínio humano pelo natural. É uma pessoa muito fofa, e fala sobre biologia e literatura em suas redes sociais.

A continuação de Lebre da Madrugada já foi publicada! Príncipe Partido pode ser encontrado no site da editora, assim como Lebre da Madrugada. Também tem a versão combo. Caso queiram os e-books, ambos estão à venda pela Amazon!