Isaac D é um romance muito bem estruturado por Leandro Pileggi, que presta empolgante homenagem ao horror cósmico de H. P. Lovecraft
Como é de costume, a AVEC Editora está sempre dando espaço a autores de grande talento, capazes de entregar uma obra bem encaixada na sua proposta mas com grande bagagem de referências. Exemplos não faltam, como é o caso de Enéias Tavares, Nikelen Witter e A. Z. Cordenonsi com séries como Guanabara Real e Le Chevalier. Leandro Pileggi é mais um desses nomes, que traz em Isaac D uma obra interessantíssima, inicialmente viabilizada através do Catarse.
A trama acompanha Isaac, um jovem interiorano que vai para a cidade grande fazer faculdade. Para o seu azar, ele não consegue entrar no apartamento que alugou e acaba dormindo do lado de fora. Após um sonho bizarro, ele acorda num local desconhecido e no corpo de outra pessoa. Para piorar, ele passa a ser atacado por seres estranhos enquanto tenta entender sua nova condição.
Essa premissa já serve para aguçar nossa curiosidade logo de cara. A narrativa de Pileggi é acelerada de forma orgânica, retratando bem a condição bizarra na qual Isaac se encontra. Talvez essa correria também contribua com os momentos mais cadenciados do romance, onde o protagonista está tentando entender esse novo universo junto com o leitor.
Lovecraft como ele era
Há uma boa dose de referências em Isaac D. Primeiro com a cultura pop onde Star Wars, Game of Thrones e outros produtos do nosso imaginário também habitam a mente dos personagens – não sem um bom pretexto para serem invocados. Em seguida é interessante destacar o viés lovecraftiano da obra, que podem ser observados em localidades, objetos e nomes de personagens (que não mencionarei aqui para evitar spoiler).
É um grande mérito do autor prestar essas homenagens todas sem soar fanboy, mostrando atributos socialmente deploráveis do homenageado – como o comprovado racismo – para honrar uma figura como H. P. Lovecraft. A impressão que fica é a de que Leandro consegue entender e admirar a obra do escritor estadunidense, mas sabe que isso não apaga o fato de que ele possuía defeitos deploráveis.
Pileggi não se prende a uma fórmula manjada de se contar história e oferece elementos inusitados que deixam a construção do personagem principal bastante envolvente. Esse é o grande acerto do autor na obra, dosar muito bem os momentos de respiro da trama lançando mão de ferramentas do horror para benefício da sua criação.
A galeria de personagens oferece figuras curiosas (como Legião) e carismáticas (como Katarina), sendo grande parte referência das inspirações do autor, como mencionamos. Me diverti com as cenas de ação, principalmente por conseguir visualizar bem cada luta – coisa que confesso não ser minha preferência numa leitura. Acredito que o escritor tenha optado por uma descrição mais funcional e palatável de suas batalhas, explicando bem a estratégia seja no corpo-a-corpo ou então no uso de elementos fantásticos.
A edição da AVEC errou o nome do autor dentro do livro, o que acaba se estendendo em quase todas as páginas. Mas no geral, a edição está boa e conta com ilustrações de outro grande talento que é Levi Tonin, criador do mangá Born Cartolla. Seus desenhos reforçam o caráter de light novel da obra, um tipo de novela que conta com desenhos pontuais. Com base no universo criado, nosso imaginário já daria conta do recado, mas as ilustrações são muito bem-vindas.
Sem querer entregar muitos detalhes da trama, o epílogo chama atenção para quem teve a oportunidade de conferir o primeiro trabalho de Leandro, intitulado Noah, obra que quero muito ler a partir desse momento. Isaac D foi uma grata surpresa para mim.