É natural que um produto de sucesso da cultura pop ganhe algum tipo de derivado. Mesmo que ninguém peça por isso, o que só deixa explícito que dinheiro fala mais alto do que qualidade na maioria dos casos. Tomemos The Walking Dead como exemplo, que mesmo entregando temporadas sofríveis ao longo dos anos, ainda gerou inúmeras séries derivadas. E nem mesmo a sátira sangrenta de The Boys consegue fugir dessa sina. Gen V, no entanto, mostra sua razão de existir nos primeiros episódios lançados no Prime Video. Contendo tudo aquilo que os fãs já conhecem atrelado a um certo frescor narrativo que por vezes falta na série principal.
Livre da rixa entre Billy e Homelander e até mesmo do material base (a série tem uma leve inspiração no arco Hora de Partir), Gen V consegue explorar suas ideias com mais consistência nesse início. Claro, existem referências ao momento atual de The Boys, mas esse não é o foco. As críticas sociais, violência e sexo são utilizadas não apenas para o choque gratuito, mas como um atrativo para essa parte ainda pouco explorada do universo televisivo da obra de Garth Ennis. E outra, adolescentes com superpoderes e uma bússola moral danificada sempre rende algo no mínimo divertido.
O foco está em Marie Moreau (Jaz Sinclair), uma jovem assombrada por uma tragédia envolvendo a descoberta de seus poderes no passado. Aceita na prestigiada Universidade Godolkin, ela almeja fazer parte d’Os Sete. O que começa como um sonho adolescente logo se transforma em um mistério sangrento envolvendo alunos famosos, como Luke Riordan (Patrick Schwarzenegger), Andre Anderson (Chance Perdomo), Jordan Li (London Thor e Derek Luh) e Cate Dunlap (Maddie Phillips). É através dos olhos inocentes de Marie que aprendemos mais sobre a realidade da universidade e toda a corrupção da Vought, no melhor estilo jornada de amadurecimento e estudo de problemas que afligem os jovens no mundo real.
Sutileza nunca foi o forte desse universo e Gen V não tenta fugir disso. A forma como os poderes refletem traumas e questões sociais da juventude de maneira explícita é eficiente para transmitir a mensagem desejada. Marie precisa se cortar para utilizar seu poder, Emma (Lizze Broadway) provoca o vômito para diminuir de tamanho e come bastante para crescer novamente, e Jordan Li troca de gênero livremente, ganhando diversas habilidades no processo, mas encara o desgosto dos pais e o preconceito no campus. Não é o fato de serem diferentes que os une, e sim os traumas em comum. Ao não ignorar o elefante superpoderoso na sala, os roteiros fluem de maneira mais orgânica equilibrando mistério e ação.
Gen V também aborda as redes sociais como forma de autopromoção e a maneira como muitos vivem apenas de aparências, escondendo seus demônios em troca de um sucesso por vezes nocivo. Nas questões visuais, a série é eficiente ao mesclar efeitos práticos e digitais. Claro, o sangue manipulado por Marie e as cenas em que Emma está em miniatura são artificiais até demais, mas isso não tira o espectador da imersão, tendo em vista que o foco não está essencialmente nos poderes, e sim no desenvolvimento da trama. Para quem espera pelo banho de sangue, bom, essa parte nunca decepciona.
Claro que esse início promissor pode se perder ao longo da temporada, mas é inegável que Gen V inicia sua trajetória consciente dos próprios passos e principalmente de suas limitações. The Boys com adolescentes pode parecer pejorativo, mas saber rir de si mesmo também é um superpoder.