Quem nunca se imaginou sendo outra pessoa, mas ainda sendo você? Ter um irmão gêmeo? Um cópia de outra dimensão? Ou um substituto para as tarefas árduas? Todas essas suposições fazem parte do imaginário e também de uma boa quantidade de obras audiovisuais. Me lembro como se fosse hoje, eu, em casa, assistindo Ruth e Raquel em Mulheres de Areia. A luta contra o seu duplo é a aposta do filme Duas Por Uma (The Stand-In, 2020) estrelado por Drew Barrymore em seu retorno aos filmes, após cinco anos afastada deste tipo de produção e dedicada mais à série Santa Clarita Diet, ambas da Netflix.
No longa, dirigido por Jamie Babbit e com roteiro de Sam Bain, Drew faz a decadente atriz comediante de Hollywood, Candy Black. Ela chegou ao fundo do poço e resolve contratar sua stand in (nome original do filme que significa atriz ou ator substituto) para se passar por Candy em uma clínica de reabilitação. Paula, a substituta, é uma atriz com pouco talento e vê nessa missão a grande oportunidade da vida. Candy está prestes a conhecer Steve (Michael Zegen), seu namorado virtual, que tem uma mesma paixão em comum, a marcenaria, e nem imagina que está cortejando uma famosa atriz de comédia.
Por que marcenaria? Não sei, o filme não explica e não quer explicar. Este é um dos problemas da trama. Você é arremessado e tem que conhecer duas personagens e não consegue se aprofundar sobre nenhuma delas. Paula assume a vida de Candy, é mais simpática, mas continuará sendo uma péssima atriz quando comparada à original. Nenhum desses dilemas abala Candy, que já não aguenta mais o show business e quer voltar a ser anônima. Se tirarmos Steve da jogada, praticamente não temos conflitos entre Candy e Paula, a não ser, é claro, que Steve vá se envolver com uma achando que é outra. Isso não chega a ser spoiler de tão previsível.
A crítica ao uso descartável das celebridades e aos dramas dos bastidores são explorados muito rapidamente, em algumas sequências de cenas enquanto Paula substitui Candy e transforma uma carreira quase destruída em uma nova Candy influenciadora e equilibrada.
Drew Barrymore não está mal no papel e faz um trabalho louvável para dar as diferentes nuances em duas personagens tão diferentes, mesmo com poucas pistas narrativas no roteiro. A maquiagem de Vivian Baker, vencedora do Oscar, também ajuda. Prótese de nariz, dentição e cabelo fizeram de Paula uma Drew igual, mas diferente. Já a falta de maquiagem em Candy deixa tudo um pouco mais realista. Em sua carreira, Drew já viveu os dramas do excesso de exposição e também a vontade de crescer na carreira. Esses são os polos naturais de Candy e Paula, mas que ficam no raso.
Nos primeiros minutos do filme, Duas Por Uma parece querer utilizar os recursos de metalinguagem do cinema, crítica ao humor de bordão e a pegada pastelão. O que não dura muito, e bruscamente ele acaba sendo convertido em uma comédia romântica, onde a ausência de um antagonismo forte e de conflitos complexos entre as duas “Drews” não nos deixa gostar de nenhuma delas. Paula vira uma vilã sem base fundamentada, e Candy não vai para reabilitação, mas parece que consegue ficar sóbria em poucos dias. Uma usurpadora que não usurpou, mas foi contratada pela usurpada. Essa relação mal explicada é o que gera a sensação de começar assistindo um filme e terminar assistindo outro. Parece que a primeira história foi substituída por outra e esqueceram de avisar ao público.
Às vezes, parece que filmes de comédia querem ser rapidamente divertidos como séries de sitcoms. Como não tem temporadas de episódios para aprofundar seus personagens, ignoram que é preciso de tempo para que público e a personagem se conectem. Obras que estreiam no streaming por vezes ficam nesse lugar de, narrativamente, não saber se querem ser filme ou série. Falta alguma coisa em Duas Por Uma e não é mais uma Drew Barrymore.