Detroit: Become Human Detroit: Become Human

Detroit: Become Human (Playstation 4) | Crítica

Sensível, melancólico e verdadeiramente tocante, Detroit: Become Human derrapa em alguns clichês narrativos, mas não deixa de ser uma excelente experiência

Há tempos, especialistas buscam formas de aprimorar a inteligência artificial. O que por um lado é extremamente positivo para a humanidade, oferecendo contribuições significativas em campos como o da engenharia e até mesmo da saúde, também causa um certo calafrio quando assistimos um daqueles filmes de ficção que trata o assunto de forma fatalista, sugerindo um mundo governado por máquinas.

Tema recorrente na obra do escritor de ficção científica Isaac Asimov e em incontáveis produções hollywoodianas, agora é a vez de David Cage e sua equipe da Quantic Dream – mesmo estúdio que desenvolveu o celebrado game Heavy Rain – explorar esse universo.

Lançado no primeiro semestre deste ano, o exclusivo de Playstation 4 aprimora a mesma mecânica de Heavy Rain e Beyond: Two Souls, trazendo de novo um enredo onde nossas escolhas dão o curso da história e cada jogador pode trilhar um caminho diferente até seu desfecho. Se, por exemplo, suas ações levarem à morte de um dos protagonistas controlados por você, ele estará fora do jogo, influenciando nos acontecimentos a partir daquele ponto. Um aspecto que oferece à experiência um grau de envolvimento ainda maior.

No game, controlamos três androides: Markus, Connor e Kara. Cada um com sua narrativa própria que, em algum momento, irá convergir com a dos outros dois. Isso, claro, se estiverem vivos até lá. Passando-se no ano de 2038, na cidade de Detroit, num contexto onde robôs – também chamados de divergentes –, começam a ganhar consciência de sua submissão aos humanos, Markus aparece como potencial líder na luta pela liberdade de seu povo. Detetive da CyberLife, Connor investiga sobre essa tomada de consciência das máquinas, enquanto Kara trilha uma história aparentemente deslocada onde trabalha numa casa em que a garotinha Alice, filha de seu dono, sofre abusos do pai.

Desde o início, fica evidente o envolvimento de toda a equipe da Quantic para entregar um jogo acima da média. Os gráficos são belíssimos e o sistema de escolhas surge de forma bem mais complexa, oferecendo, ao final de cada capítulo, uma fluxograma onde mapeia todas as escolhas feitas pelo jogador, mostrando bloqueadas as incontáveis possibilidades diferentes de caminhos não tomados.

Em matéria de jogabilidade, Detroit não se arrisca e entrega o mesmo gameplay intuitivo e simples da desenvolvedora, voltado mais uma vez para os famosos QTEs (Quick Time Events), que nada mais são que combinações de botões que o jogador deve fazer rapidamente para seguir adiante em diversos pontos da história.

Fugindo da excelência

A brilhante ideia de oferecer uma infinidade de possibilidades traz como efeito colateral pequenas irregularidades narrativas. Diante de tantas escolhas diferentes, a história dos protagonistas pode trazer algumas incoerências. Nessa perspectiva, como tive oportunidade de terminar o jogo algumas vezes, senti que Connor foi o mais prejudicado, com o game trazendo substanciais descontinuidades na costura de algumas das possíveis trajetórias do personagem (mais evidentes quando nos aproximamos do final). Não chega a comprometer a experiência, mas para um jogo que prima pelo foco na narrativa, isso é um fator que pode incomodar.

Além disso, falta a Detroit uma história mais original. Bebendo de fontes como Blade Runner, Exterminador do Futuro e até Planeta dos Macacos – com César dando lugar a Markus num contexto de remodelagem de pensamentos na sociedade –, o game poderia ter ousado mais no roteiro (ou, melhor dizendo, nos roteiros). Ainda assim, os fãs dos filmes citados não têm do que reclamar, pois assumir as rédeas de uma história que flerta com tantas outras histórias memoráveis não é algo que devamos nos queixar.

Pacifismo ou revolução? (cuidado: spoilers)

Pode-se se dizer que o contexto do game também remete à histórica segregação racial vivida pelos negros. E vou te falar, é de arrepiar assumir o papel de Markus caminhando pelas ruas de Detroit junto de um grande número de divergentes, enquanto desperta tantos outros para sua causa. Em determinado momento, somos impelidos a escolher que filosofia adotar. Se lutamos com diplomacia ou, acuados, partimos para a revolução. Essas e outras questões de natureza moral são cruciais e ditam completamente o rumo da história.

Para dar contornos ainda mais dramáticos ao game, vale destacar sua bela trilha sonora. Carregada de melancolia, ela é essencial para que Detroit: Become Human atinja seu objetivo, aproximando ainda mais a jogatina de uma experiência cinematográfica interativa.

Sem medo de tocar em temas como o preconceito e a intolerância, com fortes passagens que remetem até ao holocausto nazista, o jogo funciona ainda como uma experiência reflexiva sobre escolhas feitas no mundo real que podem vir a ser catastróficas para a humanidade. Ponto para David Cage e sua equipe, que não se esquivam de cutucar feridas da sociedade, produzindo um jogo sensível e verdadeiramente tocante.

Resumo da ópera

Se a Quantic Dream atingiu seu objetivo? Acredito que eles tinham uma ambição maior com Detroit: Become Human, mas a falta de inovação na mecânica e sua narrativa pouco original contribuíram para que ele não se tornasse um divisor de águas, como foi seu irmão mais velho Heavy Rain. Ainda assim, com o primor técnico digno da atual geração de consoles e um enredo que, apesar de deixar a sensação de déjà vu, envolve o jogador por sua enorme sensibilidade e personagens cativantes, esse é um jogo necessário para todos que curtem videogame e amam ficção científica.

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