Série nacional da Netflix, Coisa Mais Linda mostra o empoderamento feminino no Rio de Janeiro do fim dos anos 50
É curioso como as produções nacionais ainda sofrem preconceito de muitos espectadores. Mesmo estando décadas à frente das pornochanchadas, que apelavam para conteúdo erotizado, ou ainda do Cinema Novo, que trazia roteiros mais intelectualizados que não alcançavam com facilidade o grande público, é notória a resistência de parte dos brasileiros a se desligar do “complexo de vira-lata” e achar que em terras tupiniquins não se produz material audiovisual de qualidade.
A verdade é que de fato muitas produções feitas no Brasil atualmente são ruins. Mas existe um porém: também encontramos muitos trabalhos de qualidade que, infelizmente, não acham seu público e acabam passando batidos. Com intuito de driblar esse ranço do brasileiro – mas de olho também no mercado internacional –, chega à Netflix a série Coisa Mais Linda, que aposta no formato episódico (aos moldes americanos) numa produção que possui todos os ingredientes para cair nas graças da audiência.
A série traz a história de Maria Luiza (Maria Casadevall), moça paulista de família rica que no final dos anos 50 vai morar no Rio de Janeiro carregando o sonho de abrir com o marido um “Clube de Música” – bar onde as apresentações musicais seriam a principal atração. Os problemas em sua vida começam quando a personagem descobre que o tal marido fugiu levando todo o dinheiro que tinham e ela se encontra sozinha na Cidade Maravilhosa tendo que se virar para dar a volta por cima.
Já no início da produção, fica evidente que sua abordagem pega carona em tantas outras produções da atualidade, que – incluindo filmes de herói – buscam destacar o empoderamento feminino. Um tema super-relevante, diga-se de passagem. Aqui, além de Malu (como Maria Luiza passa a ser chamada no Rio), que encontrará inúmeros obstáculos pelo caminho por ser mulher em uma sociedade machista, diversas outras personagens femininas ganham evidência.
O que verdadeiramente funciona como chamariz da série, além do espírito feminista, é seu contexto, que explora a efervescência da Bossa Nova nesse período. Mas não se anime se você acha que vai encontrar personagens ilustres da época. Seu roteiro busca explorar apenas o cenário de um Rio que vivia por um período de transformações culturais, com a música estando entre elas. O personagem Chico (não confunda com Chico Buarque), interpretado pelo ator Leandro Lima, é um exemplo dessa despreocupação com a fidelidade histórica. Ele é apresentado como uma espécie de criador da Bossa Nova, sintetizando características de artistas reais.
Sobre o elenco, Coisa Mais Linda traz um time de atores que funciona bem em cena. É perceptível certa artificialidade devido a praticamente todo mundo ser muito bonito na série, algo que se justifica por ela claramente ter interesses em atingir outros países. Com isso, os personagens acabaram meio estereotipados. Mas voltando às atuações, o elenco se mostra afinado e mesmo as piores performances não chegam a comprometer.
Acredito que o grande problema da produção esteja na construção de seu roteiro, que deixa alguns furos e se mostra meio atropelado em sua conclusão – alguns episódios a mais poderiam ter resolvido isso. Seu desfecho, para resolver determinados arcos, também é pouco satisfatório. O de Malu e seu pai me fez lembrar o de Freddie Mercury com o pai em Bohemian Rhapsody, que não ficou nada orgânico. Como nota, a série surpreende nos minutos finais, deixando um gancho interessante para sua segunda temporada.
Vale elogiar o empenho da produção para trazer a mais fiel reconstituição de época do Rio de Janeiro. Cenários e figurinos convencem em seus diversos núcleos, que vão do morro a ambientes frequentados pela boemia carioca. O que se torna um prazeroso motivo para acompanhar a série.
Coisa Mais Linda é uma inteligente investida da Netflix. Apesar dos acidentes de percurso – que incluem ainda passagens com um ligeiro cacoete novelesco –, seus sete episódios conseguem cativar o público explorando temas relevantes como o preconceito, o machismo e a crescente conscientização e tomada de poder da mulher na sociedade. Tudo regado à deliciosa aura da Bossa Nova. Uma bela mistura que acaba funcionando bem.