Escrito e dirigido por Todd Phillips (Cães de Guerra, Se Beber Não Case), a história sobre Arthur Fleck já vinha chamando atenção desde o seu anúncio. Não somente por ser um filme sobre o Coringa, maior antagonista de um dos grandes heróis da cultura pop, mas por tentar ser algo diferente do que vinha sendo apresentado ao público quando se trata de quadrinhos.
Com o papel principal oferecido ao ator Joaquin Phoenix (Ela, Você Nunca Esteve Realmente Aqui), Coringa se desenrola a partir de um personagem que está quebrado por dentro, mas que é moldado por uma sociedade despreocupada com as questões sociais, econômicas, além de estar cansada até demais para reagir. Será que conhecemos algo como isso?
Na trama, Arthur Fleck (Phoenix) é um comediante, ou tenta ser, que busca algo que dê um propósito maior à sua vida. E a comédia se apresenta como algo essencial para que continue. Ele mora com sua mãe – que possui alguns problemas de saúde -, e cuida dela muito bem, aparentemente. Trabalha como palhaço de rua, animador de festas, e, dentre outras coisas, para uma empresa que arruma pequenas atividades remuneradas. Quando acaba sendo demitido, por justa causa, começa a perceber algo que nunca tinha sentido antes: a vida.
Coringa, de Todd Phillips, é quase impecável como o longa que se apresenta. A visão que temos é a de Arthur, então, não estranhe caso você tenha uma empatia com este personagem. As péssimas condições de saúde pública, moradia e emprego, aliado às relações sociais que o protagonista possui, talvez faça você se importar com o que possa acontecer.
Phoenix entrega uma atuação belíssima, em que você percebe não somente os trejeitos do personagem, mas a expressão corporal. Fleck é curvo e magro, e isso vai mudando ao longo do filme. É como estivesse se contorcendo por dentro, por não aceitar o que é, e não aceitar suas condições.
A fotografia do filme é outro ponto alto do filme. Ela casa com o ambiente, personagens e história que está sendo contada. É escura e suja quando precisa ser, mas oferece grandes contemplações. Eu, certamente, compraria algumas imagens e colocaria em uma moldura.
E é com a fotografia que vamos a outro aspecto: a iluminação e suas cores. O azul denso, em algumas etapas do filme, aparece em cenas de tristeza, melancolia e depressão. O amarelo surge nas horas de felicidade, euforia e descobrimento do personagem. E isso é usado em diversos momentos, desde sua apresentação, com poucos momentos de iluminação amarelada intercalada com azul, e sua inversão, posteriormente.
O elenco entrega o que promete. A personagem de Zazie Beetz (Deadpool 2) é pontual e tenta trazer um lado amoroso do protagonista. Frances Conroy (American Horror Story) é a mãe que deseja uma vida melhor para ela e seu filho, e isso é importante para o desenrolar da história. Robert De Niro é um apresentador de talk show famoso e chega como olhos que podem até enxergar a pobreza, mas que reflete um outro lado. Aliás, De Niro é uma referência a dois filmes que se assemelham na estética e no visual deste filme: O Rei da Comédia e Taxi Driver, ambas produções de Martin Scorsese.
A minha grande ressalva de Coringa é sobre sua mensagem. Construir – ou tentar desconstruir – um personagem mostrando o seu lado da história é válido, e o roteiro escrito por Phillips e Scott Silver (8 Mile: Rua das Ilusões) ajuda bem na compreensão disso. Agora, os atos do personagem são totalmente questionáveis, e isso deve ser passado. Muitas vezes, é como se o personagem central estivesse fazendo fosse algo a ser respeitado e endossado pelo roteiro.
A indignação de Arthur Fleck com os políticos e os ricos da cidade de Gotham só desenha como os menos favorecidos são a ponta mais frágil de uma sociedade mentalmente e economicamente fraca. Como acontece em nossa sociedade. A política deveria ajudar e não piorar o que já é ruim em Gotham. A desigualdade social só aumenta a raiva que Coringa carrega contra os poderosos. Mas sua conclusão deve ser interpretada e analisada, pois, a sociedade em que vivemos nos molda – ou já nascemos assim?