Até alguns dias, minha única referência de quadrinho mudo, ou seja, sem balões de falas ou pensamentos nas ilustrações, era Um Pedaço de Madeira e Aço, de Christoph Chabouté (Pipoca & Nanquim). Mas foi com grande satisfação que tive a oportunidade de explorar as possibilidades do terror e seus subgêneros neste meio silencioso com o singelo Cinema Panopticum, a primeira das obras de Thomas Ott lançada aqui no Brasil pela Darkside Books.
A história, antes de se ramificar para outras quatro, inicia-se com A Garota e acompanha uma menina indo até um parque de diversões de décadas atrás. Apesar de se passar numa época bastante antiga, o requisito necessário primordial para se divertir num local desses (o dinheiro) é o mesmo em relação aos dias de hoje, e a menina possui apenas cinco moedas – mas tudo no parque custa mais do que o que ela possui. Até que ela se depara com o Cinema Panopticum e sua cincos atrações.
Em O Hotel, temos um hóspede que vai descobrir as consequências do autoatendimento, enquanto em O Campeão temos um lutador de lucha libre desafiando ninguém menos que a Morte. O Experimento dá conta de um paciente satisfeito – independente de qualquer estética e, para finalizar, temos uma loucura aparentemente recompensada nos eventos de O Profeta.
Repare que a menina encontra dentro do cinema cinco histórias, ou seja, A Garota é provavelmente o próprio quadrinho que acompanhamos. O que é uma ideia pra lá de genial de Thomas Ott, pois, seguindo uma certa analogia com a dinâmica de um parque de diversões, tudo soa como um carrossel de narrativas, tendo a capacidade de despertar os mais variados sentimentos dos leitores, muito porque permite a percepção de intencionais contradições, como o fato dessa ser uma obra infinita em suas possibilidades, a depender de quem lê.
O que vai de encontro com a ideia de um quadrinho mudo. Sem diálogos, supõe-se uma leitura rápida, e de fato isso acontece, mas aí você percebe que precisa ler novamente.
Essa característica narrativa de demandar releituras quase que instantaneamente parece estar presente na grande maioria das obras de Thomas Ott, pelo que dizem. Até o momento só li esta e A Floresta (também pela Darkside Books), e de fato isso acontece. No entanto, vale dizer que a necessidade de ler mais uma vez é algo que surge organicamente e não por uma obrigação para devido entendimento das ideias que o autor teve para a sua obra, o que seria um verdadeiro porre.
Deixar a experiência envolvente de um modo tão instintivo e sensorial é um grande mérito de Ott, que tem na sua ilustração um elogiável meio para alcançar essa qualidade. A edição da Darkside Books de Cinema Panopticum acompanha um texto, no qual a pesquisadora Maria Clara Carneiro fala sobre sua técnica: “seus desenhos parecem gravuras, em que as ranhuras pretas contribuem para esse ambiente lúgubre de suas histórias. Ele usa a técnica do scratchboard (ou carte à gratter): primeiro, faz o desenho em uma folha, o copia sobre o papel de riscar e, enfim, talha o papel escuro com um estilete, criando esse efeito rasgado, das pequenas linhas sobre a superfície”. O resultado é um espetáculo, que você pode conferir nas imagens desta publicação.
Thomas Ott é um artista que dificilmente você se arrependerá de conhecer o trabalho que, ao lado de outros nomes como Junji Ito e Charles Burns, passa a integrar a leque de nomes interessantes publicados pela Darkside Books.