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Um Pedaço de Madeira e Aço

A habilidade de contar uma história é algo que nunca pode deixar de ser elogiado, principalmente quando executada de forma tão única quanto em Um Pedaço de Madeira e Aço. A obra do francês Christophe Chabouté,  lançada em 2018 pela editora Pipoca & Nanquim, consegue, numa sentada só, entregar uma experiência emocionante, sensível e não enfadonha.

Temos aqui a história de um banco, um simples banco de praça pública, que vê pessoas passarem durante horas, dias, estações, anos… Muitas passam, algumas param, outras voltam e há aquelas que espera. O banco é um refúgio, uma ilha, um abrigo, um palco… Um balé de anônimos conduzidos por uma coreografia habilmente orquestrada, em que pequenas curiosidades, situações incríveis e encontros surpreendentes dão à luz uma história singular, por vezes cômica, por vezes trágica.

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Vou começar falando mal

O único “problema” desta obra fica por conta do tempo de leitura. O espectador mais exigente pode se incomodar pelo fato de se tratar de um quadrinho mudo e com o rápido consumo da obra. Particularmente, no entanto, não penso que seja uma questão simples: atribuir o valor da experiência de um quadrinho ao tempo que você demora pra consumir é, no mínimo, desconsiderar a subversividade que um trabalho artístico pode nos proporcionar.

Por exemplo: você pode devorar Um Pedaço de Madeira e Aço em apenas 20 minutos, mas é muito provável que você seja significativamente impactado pela arte de Chabouté. Junto a isso, um megaencadernado de super-herói vai demorar muito mais tempo para ser consumido, mas seu efeito atuará de outro modo no imaginário do leitor. Um é melhor que o outro? Não sei, mas tendo a curtir os dois.

Curiosamente, esse texto demorou muito mais tempo para ser produzido do que a leitura do quadrinho avaliado.

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Um Pedaço de Madeira e Aço é mudo, mas diz muita coisa

Na ideia de que uma obra pode ser avaliada a partir da sua entrega em relação à proposta, Um Pedaço de Madeira e Aço se encaixa facilmente na qualidade de clássico ou obra-prima. Primeiro, porque o autor intencionalmente se limita ao não usar os mais do que obrigatórios balões para dizer o que quer, e aqui não cabe o argumento de que “ah, mas se todos fossem fazer assim não daria certo”. Lógico que não! Mas o diferencial é que Chabouté foi lá e fez.

Segundo, o seu protagonista: o tal do banco de madeira. Ao colocar como centro das atenções um objeto inanimado, a obra se desafia mais uma vez, pois não estamos tratando do mais corriqueiro exemplo de antropomorfismo como em qualquer conto de fadas como, sei lá, Os Três Porquinhos; o que acontece aqui é de um nível refinado, comparável ao cortiço no clássico de Aluísio Azevedo ou o país de Wakanda em Pantera Negra.

Nesse caso, o banco é o centro desse microuniverso de Chabouté, um regente no qual a vida das pessoas são pautadas por ele seja consciente (o homem que zela pelo banco pintando e arrumando-o quando necessário) ou inconscientemente (a mulher que senta nele periodicamente para ler seu livro do momento). As camadas de interpretação se multiplicam para além das narrativas isoladas de cada indivíduo que passa por ali ou mesmo do próprio objeto. O banco pode ser Deus, a Mãe Natureza, a religião ou mesmo a vida. Você que escolhe.

A mesma praça e o mesmo banco

Subtextos à parte, vale destacar que o lado estético é outra marca de Um Pedaço de Madeira e Aço com um claro domínio do autor em relação aos seus traços e à aplicação do nanquim, tudo casando perfeitamente com a narrativa gráfica que deixa todas as cenas muito vivas, mesmo que tudo aconteça num único local.

A estreia de Chabouté na editora Pipoca & Nanquim foi com Moby Dick, adaptação do clássico de Herman Melville, além de Solitário e Henri Désiré Landru, este último sendo a história do maior assassino em série da França. Se você não conhece o trabalho do autor, vale cada centavo do seu investimento.

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