Após uma 1ª temporada de bastante sucesso e algumas críticas pertinentes pelo modo como tratou os povos originários do Brasil, Cidade Invisível retorna com novos episódios na Netflix, mostrando que acusou o golpe, ou seja, deu atenção a essas críticas e buscou melhorias no que tange a representatividade indígena. Mas será que isso é o suficiente para entregar ao exigente público uma história genuína?
Nesta 2ª temporada, após dois anos desaparecido, Eric (Marco Pigossi) surge em um santuário natural protegido por indígenas e procurado por garimpeiros ilegais, perto de Belém do Pará. Ele descobre que Luna (Manu Dieguez) e a Cuca (Alessandra Negrini) estavam morando nas proximidades com o objetivo de trazê-lo de volta à vida. Luna desaparece logo depois de seu encontro com o pai. Desesperado para reencontrá-la, Eric descobre que pode retirar poderes das entidades e passa a usar isso para tentar proteger a filha, sequestrada por pessoas ligadas ao garimpo ilegal.
Menos não é mais
Quando vi que a 2ª temporada de Cidade Invisível contaria com apenas cinco episódios, imaginei que não fosse receber uma história muito cansativa, uma vez que a duração de cada um fica na casa dos quarenta minutos, ou seja, tudo indicava cenas mais ágeis. Porém, apesar da narrativa conter o teor de urgência (a busca pelo pai, a busca pela filha, a busca por um meio de salvar a filha etc.), tudo acontece de forma demasiadamente monótona. A impressão que fica é a de que houve uma reunião entre os roteiristas com a seguinte pauta: “como é que podemos causar sono em quem assiste?”. Infelizmente para nós, essa reunião foi bem-sucedida.
Para quem, mesmo que com ressalvas, concordou com as duras críticas recebidas em relação à invisibilização dos povos indígenas, o primeiro episódio acaba sendo uma armadilha, pois logo de cara vemos atores pertencentes a esses povos, o uso da língua franca-tucano em vários diálogos, assim como um roteiro cuidadoso que reconhece seus erros do passado, como quando a Cuca pede desculpas e permissão para entrar no santuário centro da cobiça do homem branco na trama desta 2ª temporada. Ironicamente ou não, a própria Alessandra Negrini foi alvo dessas críticas ao se fantasiar em carnavais passados, na condição de musa do megabloco Acadêmicos do Baixo Augusta.
A figura predatória do homem branco fica centralizada em dois personagens. O mais óbvio é o canastrão que busca explorar as riquezas do local, sem medir esforços para conquistar seus objetivos lançando mão de suas posses e influência para matar, chantagear, corromper e oprimir. Requisitos básicos às avessas que foram aprimorados nos últimos anos em nossa tratativa com tudo relacionado à natureza e aos povos que nela habitam.
Já a segunda figura é a que aponta o dedo para o cidadão comum omisso, e na série esse alguém é Eric, vivido por Marco Pigossi. Seus poderes dentro da trama – que conta com diversas criaturas do nosso folclore – consistem em se apropriar dos poderes dos outros, uma espécie de Vampira dos X-Men. E o galã sai por aí sugando o poder, ou seja, a essência de cada um sem pestanejar, por conta da sua necessidade quase que instintiva de encontrar a filha. Nesse ponto, podemos atribuir a ele a proteção paterna, mas a falta de preocupação com o outro mostra como o clássico dilema dos fins que justificam os meios às vezes é uma lorota.
A 2ª temporada de Cidade Invisível vale a pena?
Beleza, acho que entendi a série e as principais intenções dos roteiristas, mas isso não faz desta 2ª temporada de Cidade Invisível algo agradável de se ver. Há personagens com potencial dramático incrível que se perdem em diálogos formais ou decisões de roteiro pouco empolgantes. Odeio ser engenheiro de obra pronta, mas os cinco episódios talvez se encaixassem muito melhor na trama de um longa-metragem, ao qual fosse acrescentado algum impacto nas cenas de tensão, como ação e perseguição. Os belos cenários visitados também mereciam um destaque maior, como uma forma de vislumbrarmos as riquezas que possuímos e não valorizamos.
Não sei o que podemos esperar em relação ao futuro desta produção, mas do ponto de vista da trama há um claro encerramento de ciclo para os personagens apresentados desde o começo. As boas sacadas do roteiro de Cidade Invisível para estes novos episódios infelizmente não se estendem a sua condução narrativa e o resultado acaba sendo uma infeliz monotonia representativa. Uma pena, pois, pelo tamanho da publicidade que a plataforma da Netflix acaba oferecendo, a série poderia representar um marco no que se refere a produções nacionais que furam a bolha do espectador de série habitual.
Pode até conseguir mesmo assim, mas acho difícil.