Quando você descobriu que é branco? Em que momento você soube que é preto? Quando foi que percebeu que é indígena, ou amarelo, ou não branco? Para Justyce MacAllister, assim como para tantos outros jovens, ele teve a revelação de que é um jovem negro ao ser abordado violentamente pela polícia ao tentar ajudar a ex-namorada bêbada. Com apenas 17 anos, Justyce tinha certeza de que era diferente do que ele chama de “outros pretos”, pois não tem cara de marginal e se veste de um jeito “normal”. Além disso, estuda em uma escola prestigiada! Ao ter que encarar essa bruta realidade, ele decide que vai tentar agir como Martin Luther King e aplicar seus ensinamentos no dia a dia, iniciando uma espécie de diário em que vai anotando sobre os acontecimentos e os seus questionamentos sobre como lidar com o racismo diário, que ele finalmente vai percebendo que sofre, mas sempre ficou calado sobre. E assim começa “Cartas para Martin”.
Ele deve se revoltar? Deve agir com paz? Deve explicar às pessoas sobre o racismo? Justyce se vê numa encruzilhada, principalmente ao ver que muito do que faz não parece adiantar, principalmente com os colegas brancos e ricos do colégio – que parecem se achar acima de qualquer racismo. Enquanto isso, Justyce tem que lidar com questões normais de qualquer adolescente, como amor, amizade, estudo…
Esse livro me foi indicado por Camila Cerdeira, um amigo meu, que também é escritor (leiam aqui sobre o conto dele), que disse: “Esse livro é bom para quem é negro e ainda está se descobrindo.” Eu só posso concordar. Mas acrescento que é importante para todos lerem, principalmente para entender melhor como funciona o racismo na vida de uma pessoa preta. Por mais que não se passe no Brasil, há diversas semelhanças com os relatos que eu ouvi de pessoas não brancas, como a violência policial, a desconfiança automática das pessoas, críticas à aparência, a necessidade de estar perto de quem entende, a necessidade de se sentir acolhido, o medo…
A história de Cartas Para Martin é muito bem contada, com seus pontos importantes apontados nos momentos certos e com personagens tão reais, que você vai ler o livro pensando “conheço pessoas assim”. Principalmente o amigo babaca que resolve que é hilário se vestir de KKK.
É uma crítica bem-feita, com muitas camadas, personagens cativantes, personagens odiáveis, personagens que não estão nem lá, nem cá. A narrativa é bem escrita, de forma envolvente. Você consegue compreender exatamente o que Justyce quer passar durante as páginas, refletindo junto com o rapaz sobre toda a problemática social em que ele está inserido – quer queira, quer não.
No final das contas, se você não chorar nesse livro, você está morto por dentro.