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Bom Dia, Verônica abraça o caos em sua despedida

Um dos grandes títulos nacionais da Netflix finalmente se rende ao espírito absurdo dos quadrinhos

É comum no mundo das séries comentários sobre a identidade de uma produção. Comédias e dramas, mesmo se utilizando de elementos distintos, não costumam fugir de suas características até o último episódio. Porém, para se alcançar um determinado objetivo, é necessário romper com o padrão estabelecido pela própria série. Bom Dia, Verônica precisou tomar essa decisão difícil em sua última temporada lançada pela Netflix. O thriller policial realista das duas primeiras temporadas é devorado pelo caos e absurdos do universo dos quadrinhos. Resultando assim num encerramento catártico e divertido em seus exageros, ainda que extremamente corrido e sem profundidade.

Com apenas 3 episódios, o último ano de Bom Dia, Verônica precisava lidar com muitas questões antes de fechar a trama da protagonista vivida por Tainá Müller. Para isso, o criador e roteirista Raphael Montes abre mão da sutileza e de um drama mais denso para focar no impacto visual e nas resoluções rápidas. Parece que estamos diante de um filme de ação dividido em três partes. Os personagens têm seu desenvolvimento sacrificado para que o ritmo frenético seja mantido. Quem espera uma cena com todas as respostas na mesa certamente irá sair frustrado.

Após os eventos da segunda temporada, Verônica continua sua investigação para derrubar a Ordem da Fé. No meio do caminho, ela conhece os misteriosos Jerônimo (Rodrigo Santoro) e Diana (Maitê Proença) e nem imagina que a verdade está cada vez mais próxima. Para uma temporada com tão pouco tempo, é curioso notar como Bom Dia, Verônica se enche de personagens. Reynaldo Gianecchini e Klara Castanho retornam aos seus papéis para amarrar as pontas soltas de uma vez e todos os núcleos convergem para o mesmo ambiente. Esse amontoado de narrativas mais atrapalha do que ajuda. Assim, elementos que precisavam de mais atenção são engolidos pela urgência em concluir a história.

Sem entrar em spoilers, é possível dizer que Jerônimo não é o vilão que o público imaginou ao longo dos anos. Se Eduardo Moscovis e Gianecchini eram monstros e abraçavam suas naturezas deturpadas, Santoro constrói seu personagem como alguém que arquiteta a própria ilusão de que é diferente de seu pai e irmãos. Embora cometa os mesmos crimes e atrocidades. Brandão ainda é antagonista mais cruel da série, porém, a ameaça representada por Jerônimo combina com o tom dessa última temporada de Bom Dia, Verônica. E sempre é divertido ver atores desse calibre em produções nacionais de destaque.

Mas como manter o espectador interessado com um roteiro atrapalhado e de soluções convenientes? É nesse momento que a transformação de Bom Dia, Verônica entra em ação. Ao se despir da fantasia de drama da vida real, a série se assume como uma adaptação de algum quadrinho para adultos ao melhor estilo do finado selo Vertigo. Até a protagonista passa por uma evolução justamente por não precisar manter a ilusão de que age dentro de algum espectro da lei. Como o espírito da série ainda gira em torno da denúncia social, Verônica combate a trindade que aflige a sociedade, em especial as mulheres: o estado, a religião e o dinheiro. E tal qual uma vigilante das HQ’s, ela sabe que precisa sujar as mãos de sangue para alcançar seus objetivos.

Pena que Bom Dia, Verônica esperou até a última temporada para abraçar seu verdadeiro espírito. O encerramento fica abaixo das temporadas anteriores, mas é um fim de ciclo competente num aspecto geral. E quem sabe, numa edição especial, Verônica Torres não retorne para mais doses de sangue e vingança.

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