Babá: a rainha da morte e o uso apropriado do trash em filmes de terror

Continuação do maravilhoso A Babá, que já bebe diretamente da fonte dos filmes B de terror, agora que o diretor já sabe que consegue entreter o público com o absurdo nonsense do gênero, ele abriu as asas e saiu voando. Felizmente, não queimou as asas tentando chegar perto do sol, como Ícaro, e morreu em queda nada gloriosa.

ALERTA DE SPOILERS!!! Esse texto não respeitará a integridade da vossa santidade e falará livremente sobre todos os acontecimentos relevantes necessários.

Depois de dois anos do acontecido, ninguém acredita em Cole (Judah Lewis), constantemente visto como louco por se negar a fingir que nada aconteceu. Apesar de ser visto como doido, Cole continua tentando viver a vida normalmente, se consultando com um psiquiatra, que chega a ser mais maluco do que ele, e que lhe dá péssimos conselhos, exceto por um, mas esse spoiler eu não vou dar.

Reprodução: Netflix

A única a acreditar nele é sua melhor amiga, Melanie (Emily Alyn Lind), que meio que viu alguma coisa naquela noite, e, apesar de ser, de certa forma, um porto seguro para o protagonista, ela segue a cartilha clichê da loira popular com namorado “bonitão e gostosão” que acha que pode tudo, que tem um amigo não branco e gordo para servir de cota, além de uma amiga mal-humorada (e  só ficamos sabendo isso sobre ela). Os pais de Cole não conseguem engolir a ideia de que o filho esteja louco, mas, talvez temendo que ele tenha desenvolvido algum tipo de transtorno de personalidade esquizóide, decidem internar ele em um sanatório. Claro que, para o roteiro funcionar, o adolescente descobre o plano dos pais e “foge” com a melhor amiga e os amigos dela para uma festa em um lago.

Dentro do barco do pai de Melanie, eles resolvem jogar um jogo, até que o amigo cotista acaba entregando tudo – o real plano – e eles têm que matar a amiga mal-humorada, adiantando as coisas, pois precisam de um sacrifício e o sangue de um virgem. Novamente, tudo o que queriam era que Cole dormisse para tirar um pouco do seu sangue para terminarem um ritual satânico e ter tudo o que sempre quiseram. Isso mesmo que você leu: a história se repetindo. No fim das contas, Melanie, mesmo sabendo de tudo o que aconteceu com Bee e seus amigos, assina o livro do diabo e vai atrás de Cole – a única pessoa virgem que ela conhece.

Me lembrou muito outro filme trash/terror/comédia com o Jim Carrey, chamado Once Bitten, de 1985, em que ele é perseguido por uma vampira só porque é virgem, e o único sangue que ela pode consumir é de virgens.

Voltando ao plot de A Babá: a rainha da morte, novamente Cole está sendo perseguido por satanistas e, o pior, o grupo anterior volta – exceto Bee, e todos têm sangue de vingança contra o pobre rapaz. Porém, dessa vez ele acaba tendo uma parceira de crime: Phoebe, que aparece acidentalmente, vê tudo e se prepara para fugir quando Cole se joga com ela em um jetsky, fugindo. Então começa a perseguição.

Brincando com elementos trash

Um dos pontos mais fortes desse filme é que ele, em momento algum, tenta ser sério. Ele sabe que é galhofa, nonsense e necessita de toda a figura do trash para sobreviver e segurar as cenas, uma mais criativa do que a outra. Se você é fã do estilo, vai encontrar TODOS os elementos ali, misturados de maneira orgânica, que funcionam em cada pedaço do longa. As piadas com cunho de crítica social também estão com tudo, como quando John, o único personagem negro dos dois filmes se congratula por não ter sido o primeiro a morrer (todo mundo sabe que, se tem um negro no filme, ele será o primeiro a morrer) ou, quando ele está “morrendo” e começa a rezar profusamente, uma crítica pesadíssima aos crente, que só recorrem à figura divina quando acham que podem ir pro inferno.

Reprodução: Netflix

A história também brinca com a ideia do pós-vida, mostrando o inferno pessoal de cada um dos personagens do filme anterior – exceto o de Bee. Por exemplo, o personagem Max fica preso trabalhando em um fast food e atendendo gente escrota, não podendo matar ninguém (quem trabalha diariamente com pessoas entende o Max do fundo do coração).

O diretor de fotografia também tá de parabéns, com planos abertos contemplativos, e fechados durante momentos de tensão, sem cortes bruscos na montagem do filme. A ambientação também foi muito bem pensada, proporcionando uma diversidade em relação ao primeiro, que foi todo concentrado na casa de Cole. O diretor não tem nenhuma vergonha em explorar todos os locais possíveis, utilizando o cenário inteiro a seu favor – seja para matar um personagem ou fazer escapar milagrosamente de algo bizarro.

O que não funcionou muito bem?

Se tem uma frase que é repetida até à morte é “na adversidade é que descobrimos a própria força”, ou alguma coisa do gênero. Pessoalmente, achei péssimo. É uma frase motivacional genérica que o pai de Cole dá a ele para parecer um bom pai, coisa que ele não é, e o rapaz usa em várias situações, como se para dar forças a ele ou a Phoebe. Frase de coach não funciona, jovem!

Também temos a construção porca de relações amorosas que nascem durante tempos de perigo, em que Cole, antes obviamente apaixonado por Melanie, descobre que agora ama Phoebe (tudo bem, ele é adolescente, mas mesmo assim…) e ela a ele, pois meio que a loucura deles se encaixa bem e  se entendem por terem passado por muita coisa sozinhos. Esse recurso é utilizado em qualquer filme que tenha um homem e uma mulher, que juntos sobrevivem à situação de perigo – seja em filme de terror, de suspense ou de ação. E é bem estranho, na verdade.

Dizem que, na guerra, você cria um laço invisível com as pessoas que sobreviveram com você, e é um entendimento tão profundo, que, por exemplo, várias pessoas afirmam que Sam e Frodo (trilogia Senhor dos Anéis) são um casal por terem passado por tudo o que passaram juntos e terem um enorme carinho e cuidado um com o outro. Parece ser um fenômeno estudado, mas como não me inteirei dele, bem… não posso afirmar.

Reprodução: Netflix

Então, não sei. Acho o recurso batido, e meio forçado, mas, para a trama, para onde ela nos leva, funcionou perfeitamente bem.

Outra coisa que mostra que os pais de Cole são péssimos é dizerem que ele não deve mentir, ser ele mesmo, mas não o apoiarem de verdade nisso. Não funciona pra mim, porque o filme tenta passar que eles são preocupados e só querem o seu melhor, mas, para variar, pais só pensam no que é melhor para eles mesmos. Não é bem um erro do filme, porque a hipocrisia presente nos “cuidados” desses parente é real, mas eu odiei, então fica aqui a reclamação.

Vale a pena mesmo?

Sinceramente, depende do que você gosta. Eu amo um bom filme trash. As pessoas costumam achar que esse gênero é automaticamente ruim, que o criador nem sabe o que tá fazendo e por isso saiu um negócio podre, mas, na verdade, é uma arte muito bem pensada. Precisa de criatividade para se criar o absurdo, esse nonsense para divertir quem está assistindo. A história precisa ser orgânica e fazer sentido? Na maioria das vezes, não. São plots bem simples, e que o explorado são as cenas em si, a busca por coisas cada vez mais escandalosas, principalmente as mortes. Você acha que é fácil inventar uma maneira ridícula de se morrer em um filme sem que seja automaticamente entediante ou taxado de burro por ser burro? De maneira alguma!

Como exemplo, posso citar os absurdos de Kill Bill (do aclamado Quentin babaca Tarantino), com todo aquele sangue jorrando. Sabemos que não é assim que funciona, mas é um elemento do cinema trash. O filme Fome Animal é outro que segue à risca as diretrizes do trash, sem se prender a nenhuma regra dos filmes de zumbi que originalmente conhecemos.  Mas, claro, existem as exceções em que os diretores tentaram ser sérios e o filme sai tão ruim que é bom, como o filme The Room, que virou cinema cult.

Se você curte o gênero, como eu, você vai amar Babá: a rainha da morte. Senão, bem, talvez você se divirta, talvez não.