O encontro da literatura de Diana Wynne Jones com o estúdio Ghibli já resultou em um dos meus filmes favoritos: O castelo animado. A adaptação me levou ao livro, cuja escrita irônica e surpreendente da autora logo se tornou uma das minhas favoritas também. Gostei tanto que fui atrás de outras obras dela e, em todas, senti esse poder que ela tem de criar imagens maravilhosas na nossa cabeça.
Mas nunca tinha chegado até Tesourinha e a Bruxa. Quando soube que o lançamento dos estúdios Ghibli seria uma adaptação desse livro, também escrito por Diana, corri para ler antes do filme ser lançado aqui. É um livro curtinho, com umas 100 páginas, divertido e leve, mas tão leve que quase chega a ser insosso. Dá para sentir um cheiro do que é a escrita de Diana, mas não passa disso. Quando terminei o livro, lembro de ter me perguntado: “ué, porque escolheram logo esse?”.
Enfim, a história não me parecia render tanto, mas ainda ficava a esperança de que o estúdio Ghibli nos tocasse daquela forma que só ele consegue. Até porque, quem leu O castelo animado sabe que o Miyazaki pegou uma história infanto-juvenil inglesa, mais assentada nos moldes ocidentais de narrativa, e transformou em um enredo dele, com os traços de sua narrativa. Traços esses que, na verdade, constituem muitos enredos japoneses, que seguem um formato de história chamado Kishōtenketsu, em que não há necessariamente conflitos ou nexo causal entre as ações, e os fatos da trama simplesmente acontecem.
Assim, além do seu toque pacifista, com metáforas visuais que expressam seu posicionamento sobre a guerra, Miyazaki inseriu na história de Diana uma série de silêncios, vazios e acontecimentos misteriosos, próprio de suas obras, que as tornavam mais mágicas e nos encantam bastante. Em Aya e a Bruxa, dirigido por seu filho Gorō Miyazaki, essas características passam longe. Ele mostrou mais uma vez que ainda não conseguiu acertar, dando um certo receio de que o toque de Miyazaki não permaneça no Ghibli.
A história é simples: uma Bruxa, que estava sendo perseguida por outras, deixa um bebê em um orfanato. A criança, que se chama Aya, a Tesourinha, cresce sendo muito paparicada pelas pessoas do orfanato e, ao contrário da maioria das histórias, rejeita a ideia de ser adotada e sair de lá. Mas não consegue evitar e, afinal, é adotada por um casal esquisito, Bella Yaga e Mandrake, mas a intenção deles era fazer de Aya uma auxiliar de magia da bruxa.
O casal é conquistado pelos encantos da garotinha, mas o desenvolvimento dessa relação não é muito bem feito. Por exemplo, no livro, Mandrake é um personagem interessante, que a gente se apega quase tanto quanto ao Gru, de Meu malvado favorito. Já no filme, seu lado bondoso aparece de forma muito repentina, assim como outros elementos do enredo. Além disso, as adições que foram feitas à história tiveram o objetivo de explicar demais. Desse modo, a narrativa, que já era morna, ficou ainda mais fria.
Diana Wynne Jones também era adepta a mistérios, e quem lê seus livros sabe que você tem que entrar no jogo que ela propõe. Certas pontas soltas, então, não dão sensação de incompletude, nem são lacunas que precisam ser preenchidas. Basta assumir que, naquele mundo, a existência de rixas entre bruxas é algo comum, então seria igualmente habitual uma delas deixar uma criança em um orfanato.
A história pregressa que dá aos personagens — a banda que fazem parte —não existe no livro e não tem função muito nítida, pois, seja lá qual tenha sido o objetivo, foi uma tentativa frustrada. Não explicou direito, não se inseriu de modo orgânico na narrativa e muito menos fez sentido. Aliás, é uma história bem besta e sem graça, e a música que faz parte dela não é nem chiclete o bastante para ficar na memória. Faz pensar que estamos vendo qualquer coisa, menos um filme do estúdio Ghibli.
Nesse filme, resolveram dar um grande passo rumo à animação 3D, e esse é mais um motivo para estranhamento, que tira a áurea que os filmes do Ghibli têm. Não quero dar uma de saudosista, mas basta assistir para ver como parece um filme feito por iniciantes, ou então antigo, realizado quando o 3D não era tão desenvolvido. Se o orçamento estava apertado, deveriam ter ido com mais calma, experimentando e treinando primeiro com curtas e filmes mais experimentais..
Tudo bem, Gorō Miyazaki não precisava seguir os exatos passos de seu pai, Hayao Myiasaki, nem de Diana, autora do livro que adaptou. Mas sua forma de contar deveria ter, ao menos, algum padrão de qualidade. Aya e a Bruxa, para mim, veio com muita responsabilidade e seria compreensível não atingir expectativas tão altas, mas outra coisa é ser um filme bem esquecível de sessão da tarde.