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Até os Ossos

Até os Ossos, livro escrito por Camille De Angelis e vencedor do prêmio literário Alex Award de 2016, deu origem ao filme de mesmo nome dirigido por Luca Guadagnino, de Me chame pelo seu nome, com Taylor Russell (Escape Room) e o queridinho de Hollywood Timothée Chalamet – que trabalhou com Guadagnino em Me chame pelo seu nome e esteve em Duna – nos papéis principais de uma trama complexa que mistura drama e horror.

Na trama, Maren (Russel) é uma jovem que, após ser abandonada pelo pai, parte em busca da sua mãe, que os abandonou quando ela ainda era muito nova para se lembrar e que parece ser a única capaz de desvendar o maior segredo macabro da vida da jovem: seu apetite incontrolável por carne humana. Ao longo do caminho, Maren encontra Lee (Chalamet), um rapaz que divide com ela essa mesma fome voraz e vai ajudá-la nessa empreitada pelo país.

Se tem algo que é necessário ser feito após assistir Até os ossos é digerir o filme (perdão pelo trocadilho). A história em si não é complexa: dois jovens buscando companhia um no outro, se descobrindo como pessoas, desvendando um dos maiores dilemas da vida (o que é ser humano?), tudo isso enquanto viajam por paisagens bonitas. Paisagens estas que o diretor de fotografia não perde tempo em exibi-las da maneira mais bonita possível.

Revezando entre ângulos fechados, para dar a sensação de desconforto, e planos abertos para exibir o cenário e acenar para aqueles instantes de reflexão e paz, de quando tudo o que os personagens precisam é a companhia um do outro, o filme apresenta uma estranheza própria. Inclusive, em algumas cenas, a câmera segue com Maren de forma a “imitar” seus movimentos, como quando está fugindo e a impressão que dá, com essa câmera a seguindo e mimetizando seus passos, é a de urgência e confusão – dependendo do que for. Esse tipo de coisa dá um toque a mais ao projeto.

Tanto Maren quanto Lee sentem um desejo irrefreável de comer carne humana, e chamá-los de canibais nem começa a arranhar a superfície do que eles são. Ao que o filme indica, eles se chamam, entre si, de Devoradores (Eaters, no original) e possuem muito mais do que vontade de canibalizar seus “iguais”, como, por exemplo, a habilidade de farejar uns aos outros, sentir o aroma característicos de sangue a quilômetros e saber, também por meio do olfato, quando humanos estão morrendo. Infelizmente, esse conceito não é tão explorado quanto eu gostaria, deixando um pouco solto.

Outra coisa interessante, mas que não foi claramente posto no filme, é o “comer até os ossos”. Em determinado momento da trama, Lee e Maren se encontram com outros dois Devoradores, que apresentam esse conceito de comer até o osso – o que nos remete diretamente ao título do longa – e parece ser algo importante. Mas também é logo deixado para lá. Ou, se é trabalhado de alguma forma durante a narrativa, me fugiu completamente.

O diretor poderia ter enxugado bastante o filme, se diminuísse as inúmeras cenas de contemplação, focando em paisagem, do mesmo jeito que fez em Me chame pelo seu nome, ficando desnecessariamente longo e dando a impressão de que a narrativa um pouco frouxa poderia ter sido melhor direcionada se houvesse um enfoque maior na história. Sim, em diversas partes de Até os Ossos, você se pergunta sé há algum propósito para tudo o que está acontecendo. Não há exatamente uma liga que amarra os pontos, sendo uma narrativa que soa muito mais para algo poético e solto do que uma que conta uma história.

Maren é um personagem introvertida, sem muito trato social, principalmente por não ter vivido muito perto de gente por causa do seu desejo por carne humana e estar sempre em fuga, sem tempo para estreitar laços. Após ser abandonada pelo pai e ter que partir em sua própria jornada, acompanhamos toda essa busca dela não somente pela mãe, mas para entender quem é e o que é – sendo esse último motivo para muito sofrimento. Encontrar Lee, um jovem que parece ser um espírito livre, é um passo a mais para tudo o que ela busca e muito mais, pois já sabemos pelo cartaz que vão se apaixonar.

A parte do horror vem dos momentos de fome, e mal conseguiria começar a descrever. Você sente repulsa, você sente uma angústia crescente, acompanhada pela trilha sonora, a cena toda utilizando muito bem todos os elementos possíveis para aumentar todo o seu desconforto. E, mesmo após o fim do filme, você fica com esses momentos meio que rodando pela sua cabeça. Claro, o horror também não fica apenas nisso, pois, se refletir bem, encarar a própria existência e esmiuçá-la de forma a tentar se encontrar também é um tipo de horror por si só. Muita gente preferiria tomar um tiro do que ser obrigada a esse estado contemplativo, só ela e a própria mente.

Até os Ossos cumpre bem o seu papel de filme de romance/drama e horror, conseguindo evocar esses elementos com clareza, mesmo com uma narrativa frouxa até demais.

O filme estreia dia 1 de dezembro de 2022.