Em A Luz no Fim do Mundo, Casey Affleck dirige, atua e escreve uma carta de amor sobre pai e filha em tempos de distopia
O cinema adora um filão. Quando uma grande nova história surge, pode ter certeza que isso repercutirá na indústria através de diversas outras produções que beberão da mesma fonte. Algumas, sem muita inspiração, resultam em filmes genéricos ou apenas OK. Outras, apesar da falta de originalidade, empacotam uma experiência que vai além da simples cópia. Um bom exemplo disso é A Luz no Fim do Mundo.
Dirigido, roteirizado e estrelado por Casey Affleck (Manchester à Beira-Mar), o longa é mais um que flerta com o memorável The Last of Us, do PS4 – sim, tais influências também podem vir dos games. Maggie: A Transformação (com Schwarzenegger), Logan e até Um Lugar Silencioso estão entre as produções que usaram (os dois últimos de forma competente) referências daquele enredo pós-apocalíptico. O novo filme entra para o grupo dos “infectados” que souberam utilizar bem suas influências.
Novamente, vemos uma representação paterna ao lado de uma criança (menina) como centro da narrativa, ambos enfrentando adversidades em um mundo hostil. Affleck, o barbadão da vez – que aqui é chamado apenas de “pai” –, protege sua filha Rag (Anna Pniowsky), de apenas 11 anos, nesse mundo distópico onde uma inexplicável epidemia aparentemente matou todas as outras mulheres do planeta. A partir daí, a vida dos dois passa a ser de constante fuga, na luta desse pai pela sobrevivência da “luz da sua vida” (o título original do filme se chama Light of My Life).
Conduzido de forma segura pelo diretor, o longa caminha na contramão de outras produções desse subgênero. Para Affleck, o que verdadeiramente importa é registrar o imenso amor de um pai e uma filha em um cenário onde essa família não pode contar com mais ninguém. De um lado, vemos esse pai que se anula completamente, abrindo mão de tudo – e se tornando até um tanto paranoico – para proteger sua filha da “maldade dos homens”. De outro, uma menina, que precisa se passar por menino, tendo sua infância roubada como única alternativa para se manter viva.
Sem nenhuma pretensão de acelerar os acontecimentos, a câmera do diretor é seduzida por belos registros de interação entre os protagonistas – destacados pela excelente fotografia de Adam Arkapaw (True Detective) e a intensa trilha de Daniel Hart (Sombras da Vida). São frequentes as tomadas com longos diálogos (cheios de improviso) em que Casey Affleck faz questão de explorar a afetividade em seu estado mais puro. Muitos olhares, demonstrações de carinho e ensinamentos podem ser acompanhados sob uma aura de melancolia, frente a um cenário quase de desesperança.
Para equilibrar o jogo, são inseridos alguns flashbacks, com Rag ainda bebê, que pontualmente revelam um tempo em que pai, mãe e filha já foram felizes juntos. Nesses retrocessos, o longa é beneficiado pela presença da atriz Elisabeth Moss (The Handmaid’s Tale), que dá o peso necessário à sua personagem mesmo com pouquíssimo tempo de tela.
Não dá pra deixar de citar a excelente atuação de Anna Pniowsky (Ele Está Lá Fora). A pequena atriz transita lindamente entre uma fase em que se vê moldando a própria identidade – o que ocasionalmente provoca enfrentamentos com o próprio pai – e o medo de perdê-lo e se ver sozinha no mundo. Affleck também não decepciona, comovendo na pele desse pai engasgado, que vive dias de desespero pelo medo do amanhã, mas precisa manter-se forte pela filha.
Como o próprio filme menciona em certa cena, A Luz no Fim do Mundo é uma “aventura de amor” que, na verdade, traz pouco de aventura de fato. Suas quebras de ritmo surgem em raros momentos, o que aqui de forma alguma é um demérito. A intensidade que ele está mais interessado em revelar reside nada menos que no afeto mútuo de um pai e uma filha. E acredite, com tanta verdade na tela, o filme não precisa de mais nada.
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