Lançado pela editora Pipoca & Nanquim no mês de novembro de 2020, A Fortaleza Móvel & O Mundo Subterrâneo é uma experiência interessantíssima tanto para os fãs da nona arte quanto para o leitor mais despretensioso. Isso passa pela boa história de Ricardo Barreiro, mas, principalmente, pelos desenhos incríveis e inventivos de Enrique Alcatena.
A trama se divide em duas partes e segue o aventureiro Bass de Avregaut, que se vê jogado no meio de uma guerra entre dois impérios, a bordo de um castelo colossal capaz de se deslocar sobre rodas graças a uma misteriosa forma de energia. Logo em seguida, ele vai parar em um reino construído debaixo da terra, é escravizado por um povo albino e forçado a participar de um selvagem torneio de gladiadores.
Pra começo de conversa, já adianto que essa é uma obra que vai te causar uma positiva estranheza, tamanha a inventividade do que é encontrado ao longo de toda a narrativa visual criada por Enrique Alcatena. De traço único (embora ainda em desenvolvimento na época, segundo o próprio ilustrador), o que ele coloca aqui é coisa de outro mundo. Ou melhor: de muitos outros mundos.
Isso porque o leitor minimamente atento irá identificar referências claras ao escritor H. P. Lovecraft (com direito a ambientação nas Montanhas da Loucura) e também ao Conan, criação máxima de Robert E. Howard. Não à toa, Alcatena já trabalhou em histórias em quadrinhos do referido bárbaro na revista Conan: The Savage, além de um extenso currículo que inclui títulos como Batman – Asilo Arkham: Os Subterrâneos da Loucura, Predador Versus Juiz Dredd e muito mais.
Cada elemento que compõe os cenários passam por essa genialidade do desenhista. De asquerosas criaturas até o mais inóspito castelo, cada página é uma experiência absurdamente inédita em assuntos visuais que mescla diversas referências culturais, como podemos notar em armas e armaduras extraídas do Japão Feudal usadas contra inimigos com instrumentos remetentes à Idade Média. O melhor é que essa loucura acaba absorvida de um modo que não cause confusão na leitura.
Sobre as duas histórias, devo dizer que elas funcionam incrivelmente bem, algo que eu não esperava que ocorresse frente a tanto apelo visual. Com esse arrojo estético, seria tentador levar a obra para um lado mais experimental da coisa, mas Ricardo Barreiro se mantém firme em mostrar boas narrativas que completam a trajetória do herói Bass de Avregaut nesse período específico.
Pra quem assistiu o filme Máquinas Mortais (Mortal Enginers, 2018), a primeira aventura (A Fortaleza Móvel) irá remeter bastante ao longa produzido por Peter Jackson, que adaptou o livro de Philip Reeve. Não sei se Reeve se inspirou nessa obra de algum modo ao trazer seu livro ao mundo, mas a versão de Barreiro e Alcatena é infinitamente superior (mesmo considerando as diferenças de mídia). Uma fortaleza que se move é, a princípio, algo que desperta bastante interesse, e nessa parte entendemos sobre sua mecânica e as motivações de quem a mantém funcionando. Já a segunda parte, O Mundo Subterrâneo, apresenta uma situação mais comum de vermos em contos do Conan, por exemplo, com o protagonista feito de refém e se vendo obrigado a lutar numa arena em busca de sobrevivência.
A sempre elogiada edição do Pipoca & Nanquim
A edição capa dura da editora Pipoca & Nanquim está perfeita, inspirando-se numa edição chilena lançada há algum tempo. No entanto, o grande brilho editorial está na capa, desenhada exclusivamente pelo próprio Alcatena para a empresa de Bruno Zago, Daniel Lopes e Alexandre Callari. Como de praxe, o leitor também encontra uma biografia dos criadores do quadrinho.
A Fortaleza Móvel & O Mundo Subterrâneo é um prato cheio para o leitor que precisa de um respiro criativo, uma obra que vai te causar curiosidade a cada página, dotada de muita habilidade e inspiração por parte dos seus criadores. Vale cada centavo do seu suado dinheiro.